ASSASSINATO

PF relata plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes em trama de golpe

Publicado em 20/11/2024 às 07:07
Reproduçâo

A Polícia Federal prendeu nesta quarta-feira, 19, um general da reserva, ex-integrante do governo Jair Bolsonaro (PL), outros três oficiais militares e um policial federal suspeitos de participação em uma trama para o assassinato do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e do vice, Geraldo Alckmin, além do sequestro e execução do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

A Operação Contragolpe é um desdobramento do inquérito que investiga uma "organização criminosa" suspeita de atuar em tentativa de golpe de Estado e abolição do estado democrático de direito após o resultado da eleição presidencial de 2022 - quando Lula venceu o ex-presidente no segundo turno da disputa por uma pequena margem de votos.

A nova investida dos agentes federais amplia as suspeitas sobre Bolsonaro e seu entorno, descrevendo atuações do ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, general Braga Netto, e, principalmente, do general reformado Mário Fernandes, ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência - um dos presos ontem, apontou como o autor do arquivo que detalhava a possibilidade de envenenar Lula, matar Alckmin e matar Moraes. No relatório lançado ao Supremo, a PF conclui que Bolsonaro, em dezembro de 2022, "estava naquele momento empenhado para a consumação do golpe de Estado, tentando obter o apoio das Forças Armadas".

Materiais apreendidos na Operação Tempus Veritatis, aberta em fevereiro, orientaram a operação policial que prendeu Fernandes e três "meninos pretos": o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, o major Rafael Martins de Oliveira e o major de Infantaria Rodrigo Bezerra de Azevedo, que servia no Comando de Operações Especiais. Foi preso também o policial federal Wladimir Matos Soares, que atuou na segurança de Lula.

Lucas Garellus, capitão do Exército que serviu no 1.º Batalhão de Forças Especiais em 2017, foi alvo de buscas por suspeitas de ter auxiliado em ação de monitoramento de Moraes.

Kids pretos é como são chamados os militares de alta performance em ações de grande impacto. A investigação atribuída a Braga Netto - que foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro à reeleição - envolvimento direto com a ação de crianças pretas mobilizadas para a "Operação Punhal Verde e Amarelo", plano apreendido com Fernandes e que detalhava a estratégia para os assassinatos .

Reunião

De acordo com o investigador, a missão foi acertada em um encontro na casa de Braga Netto. No encontro, no dia 12 de novembro de 2022, o "planejamento operacional para a atuação dos 'kids pretos' foi apresentado e aprovado". Além disso, o general assumiria a função de coordenador-geral de um hipotético 'Gabinete Institucional de Gestão da Crise' caso a ruptura institucional ocorresse.

Ao pedir autorização ao Supremo para colocar a Operação Contragolpe nas ruas, a corporação indicou possível indiciamento de Bolsonaro no relatório final do inquérito. Quatro delegados da PF subscrevem a representação de 221 páginas encaminhada ao STF: Rodrigo Morais Fernandes (diretor de Inteligência da PF), Luciana Caires (chefe da Divisão de Contrainteligência), Elias Milhomens (coordenador de Contrainteligência) e Fábio Shor.

Eles indicam categoricamente passagens sobre o envolvimento do ex-presidente com a trama golpista.

Nas diligências, a PF encontrou três arquivos considerados essenciais na investigação sobre o suposto golpe de Estado: um que tratava dos assassinatos de Lula, Alckmin e o ministro do Supremo por envenenamento e até por meio de um atentado a bomba; uma planilha com o planejamento estratégico da ruptura institucional, dividida em cinco fases; e a minuta de criação de um gabinete de crise, que "pacificaria" o País após o golpe. A Polícia Federal colabora que o grupo suspeito - formado, em sua maioria, por militares com formação em Forças Especiais - "se utiliza de elevado nível de conhecimento técnico militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas nos meses de novembro e dezembro de 2022" .

'Químicos'

O plano Punhal Verde e Amarelo previa o assassinato do então presidente eleito por envenenamento ou "uso de produtos químicos para causar um colapso orgânico", considerando a vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais do petista. No planejamento dos presos militares, Lula foi tratado pelo codinome “Jeca” e seu vice, Alckmin, foi “Joca”.

Fernandes, o general da reserva preso ontem, foi classificado como o guardião do ousado plano. O documento também traz detalhes sobre a possível execução de Moraes e de Alckmin. Segundo a PF, o arquivo "continha um verdadeiro planejamento com características terroristas".

Na visão dos investigados, segundo a PF, a "neutralização" de Lula "abalaria toda a chapa vencedora, investindo-a, dependendo da interpretação da Lei Eleitoral, ou da manobra conduzida pelos 3 Poderes, sob a tutela principal do PSDB". Já a morte de Alckmin “extinguiria a chapa vencedora”. "Como reflexo da ação, não se espera grande comoção nacional", registrado o documento sobre o ex-tucano. Alckmin foi eleito vice na chapa de Lula pelo PSB, partido para o qual migrou depois de 33 anos no PSDB.

'Artefato'

O plano para eliminar Moraes exigia, por sua vez, meios mais pesados. O documento citado não é apenas a possibilidade de envenenamento em evento público oficial, mas também o uso de "artefato explosivo".

Em outro capítulo, o general chegou a descrever os armamentos que seriam necessários para concretizar o plano: pistolas e fuzis comumente usadas por policiais e militares, "inclusive pela grande eficácia dos calibres elencados"; além de uma investigação, um lançamento-granadas e um lançamento-rojão, "armamentos de guerra comumente usados ​​por grupos de combate".

Para a PF, o contexto de emprego de armamentos extremamente letais, bem como de uso de artefatos explosivos ou envenenamento, revela que o grupo trabalhou com a possibilidade de assassinato de Moraes.

"Tal fato é reforçado pelo tópico denominado "Danos colaterais passíveis e aceitáveis", em que o documento descreve como passível "100%" e aceitável também o percentual de "100%". Ou seja, claramente para os investigados a morte não só do mas também de toda a equipe de segurança e até mesmo dos militares envolvidos na ação era admissível para cumprir a missão de "neutralizar" o denominado "centro de gravidade", que seria um fator de obstáculo à consumação do golpe de Estado, indicou a PF.

Segundo a PF, o general fez, no Palácio do Planalto, duas gerações do plano da Operação Verde e Amarelo. A primeira foi no dia 9 de novembro de 2022 e o documento foi levado em seguida ao Palácio da Alvorada – residência oficial do presidente da República. A segunda impressão, feita no mesmo equipamento do Planalto, data do dia 6 de dezembro daquele ano, por volta das 18h. De acordo com o investigador, Bolsonaro estava no palácio nesse horário (mais informações na pág. A10).

'Copa 2022'

Uma ação clandestina integrada ao plano Punhal Verde e Amarelo foi batizada da “Operação Copa 2022”. O grupo formado no aplicativo Signal tinha como objetivo o monitoramento e o assassinato de Moraes. A operação utilizou técnicas de vigilância, veículos oficiais e medidas de anonimização, como uso de celulares aplicativos e codinomes inspirados em países da Copa do Mundo de 2022, como “Alemanha”, “Japão” e “Brasil”.

Os investigadores revelaram que o plano chegou a ser iniciado, mas foi abortado. No dia 15 de dezembro de 2022, membros do grupo se mobilizaram e se posicionaram em pontos estratégicos de Brasília, incluindo a região próxima à casa de Moraes, monitorando seu movimento em tempo real. No entanto, o plano foi cancelado após o adiamento de uma sessão do STF.

Policial

A PF colocou um de seus integrantes na mira da Operação Contragolpe após identificar que o agente Wladimir Soares repassou, em 2022, informações sobre a estrutura de segurança de Lula para pessoas próximas a Bolsonaro, “aderindo de forma direta ao intento golpista”.

Segundo o inquérito, Wladimir encaminhou para o capitão da reserva Sérgio Rocha Cordeiro - assessor especial de Bolsonaro - relatos sobre a segurança do presidente eleito, inclusive sobre a presença de policiais de força tática na equipe de segurança. Além disso, ele se colocou à "disposição para atuar no golpe de Estado, demonstrando aderência subjetiva à ruptura institucional", afirmando o pesquisador.

"Eu e minha equipe estamos com todo equipamento pronto para ajudar a defensor o Palácio e o presidente. Basta a canetada sair!", afirmou Wladimir em 20 de dezembro de 2022. Antes de enviar a mensagem, o agente recebeu outras duas mensagens que foram apagadas por Sérgio e anotou: "Estou pronto!"

As diligências de ontem foram realizadas em três Estados – Rio de Janeiro, Goiás, Amazonas – e no Distrito Federal.

Investigados comemoram: Bolsonaro aceitou 'nosso avaliação'

No relatório elaborado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em que pede autorização para colocar a Operação Contragolpe nas ruas, a Polícia Federal sinalizou que um terceiro indiciamento de Bolsonaro é uma medida que pode ser muito próxima. São vários os pontos em que isso fica claro, como a troca de mensagens entre Mário Fernandes e o tenente-coronel Mauro Cid, em 9 de novembro, quando o general comemorou que o então presidente "aceitou o nosso assessoramento".

Os delegados que assinam o documento citam categoricamente passagens que indicam envolvimento do ex-presidente com a trama golpista. Inicialmente, a PF rememora um achado da Operação Tempus Veritatis: Bolsonaro teria “redigido e ajustado” um minuto de golpe que circulou entre seus aliados após o segundo turno da eleição presidencial de 2022.

Nove meses depois, a ação deflagrada ontem ligou, cronologicamente, os diálogos sobre o monitoramento e plano de assassinato de Alexandre de Moraes com as ações de Bolsonaro. A PF afirma que as conversas ocorreram em dezembro de 2022, seis dias após Bolsonaro "ter 'enxugado'" o decreto e ter se reunido com o general do Comando de Operações Terrestres, Estevan Cals Theóphilo - "com a finalidade de consumir o golpe de Estado".

A fase mais recente ostensiva da investigação sobre uma tentativa de golpe de Estado atingida, direta e indiretamente, por dois aliados de Bolsonaro: um ex-ministro, general Braga Neto, e Fernandes, o então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência. Esta última é peça-chave no inquérito.

A PF acordou que ele imprimiu o documento “Punhal Verde e Amarelo”, plano que consiste na execução de Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e Moraes. Quando o general da reserva fez cópia do documento de uma impressora instalada no Palácio do Planalto, Bolsonaro se instalou na sede do Executivo federal.

O então secretário executivo também imprimiu seis cópias de uma minuta de criação de um "gabinete de crise" que seria instalado no caso hipotético de consumação do golpe. No dia seguinte, ele visitou Bolsonaro no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente.

Áudios

Além dos agendamentos entre as ações de Fernandes e as visitas a Bolsonaro, a PF interceptou áudios que podem incriminar o general. Em um deles, enviado no dia 8 de dezembro ao tenente-coronel Mauro Cid, o relato geral uma conversa com o presidente. Nessa conversa, Bolsonaro teria afirmado que “qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo”.

Naquele dia, Fernandes esteve no Palácio da Alvorada por quarenta minutos, entre as 17h e as 17h40. Um dia antes da conversa com Bolsonaro, no dia 7 de dezembro, ocorreu a reunião do ex-presidente com a presença de comandantes do Exército e da Marinha, para apresentação da minuta do golpe de Estado. Fernandes tinha conhecimento da reunião. Ele pediu a Cid que mostrasse um vídeo ao comandante do Exército, general Freire Gomes, na tentativa de convencê-lo a aderir ao golpe de Estado.

Um dia após a conversa, em 9 de novembro, Fernandes voltou a acionar Cid e comemorou. "Muito bacana o presidente ter ido lá à frente ali do Alvorada e ter se pronunciado, cara. Que bacana que ele aceitou aí o nosso assessoramento."

O general também teve acesso a outros aliados de Bolsonaro, entre eles Sérgio Rocha Cordeiro, então assessor da Presidência no governo anterior. Cordeiro é pivô de uma passagem em que a PF cita taxativamente o envolvimento de Bolsonaro com o plano de golpe de Estado.

Como mostrou o Estadão, o agente federal preso ontem, Wladimir Mattos Soares, é investigado por ter passado a Cordeiro informações, em dezembro de 2022, sobre a estrutura de segurança do então presidente eleito. Neste ponto a PF assinalou que a polícia federal passou as informações sobre Lula para a segurança pessoal de Bolsonaro. Segundo a investigação, o ex-presidente "estava naquele momento empenhado para a consumação do golpe de Estado, tentando obter o apoio das Forças Armadas".

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.