ECONOMIA

'Desdolarização da economia mundial': o que esperar do novo mandato de Dilma no Banco do BRICS?

Publicado em 24/03/2025 às 21:39
© Sputnik / Kristina Kormilitsyna

Dilma Rousseff foi reconduzida para um novo mandato à frente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) no domingo (23). Para analistas, lastro diplomático construído por ela durante os seis anos em que foi presidente do Brasil e bom desempenho enquanto presidente do NDB foram trunfos para a reeleição unânime.

A ex-chefe do Executivo brasileiro foi indicada para seguir no cargo pelo presidente russo, Vladimir Putin — a Rússia é quem tinha o poder de indicar um nome para assumir o Banco do BRICS no próximo ciclo.

À frente da instituição desde 2023, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva designá-la para o lugar de Marcos Troyjo, indicado pelo governo de Jair Bolsonaro, Dilma assume um novo mandato de cinco anos.

Os motivos que levaram à recondução dela para presidir o NDB são diversos, segundo analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, mas sempre levando em consideração a qualidade do trabalho apresentado à frente do banco.

Para Henrique Domingues, chefe adjunto do Fórum Internacional dos Municípios BRICS, Dilma foi novamente escolhida por não ter tido um mandato completo à frente do banco e, também, pelo trabalho realizado enquanto presidente da instituição.

"Esse novo volume de aportes de crédito para projetos de infraestrutura, essa liquidez que a presidente Dilma gerou também é um dos motivos que a reconduziu para o comando do Banco do BRICS", avalia.

Além dos ensejos apontados, as sanções impostas à Rússia também influenciaram na escolha, conforme os especialistas.

"Seria bem mais difícil um político russo conseguir viajar para outros países, se articular politicamente (presencialmente) com outras autoridades e, até mesmo, utilizar serviços bancários/financeiros em nome do banco estando sob sanção", explica Augusto Rinaldi, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Apesar do gesto procedimental, o professor considera a indicação de Dilma como um "gesto político importante da Rússia para o Brasil", sinalizando certa confluência de interesses entre os dois países.

O que esperar dos próximos 5 anos de Dilma à frente do NDB?

A indicação de Dilma por Putin já havia sido sinalizada no final do ano passado. Durante 2024, a presidente do Banco do BRICS esteve no Fórum Internacional Econômico de São Petersburgo e também na Cúpula do BRICS, em Kazan. Em ambas as oportunidades o tema sobre desdolarização da economia mundial esteve em pauta.

Segundo Domingues, que esteve presente no evento em São Petersburgo, o presidente "Putin, desde o ano passado, tem se demonstrado bastante satisfeito com a condução da presidente Dilma".

Elogiada pelos membros do grupo por fornecer novas linhas de crédito e ampliar o financiamento de projetos de desenvolvimento nos países que são membros do grupo, Dilma, na opinião do chefe adjunto do Fórum Internacional dos Municípios BRICS, deve estender o debate sobre desdolarização.

"Acredito que os próximos cinco anos da presidente Dilma à frente do novo Banco de Desenvolvimento também vão ser bastante marcados por essa temática, que é a desdolarização da economia mundial. No primeiro momento, a partir da utilização, da criação de mecanismos, como foi anunciada no ano passado, na cúpula da Rússia, a criação do sistema de pagamento dos países BRICS, popularmente conhecido como BRICS Pay. […] No momento mais avançado, da criação da própria moeda dos países BRICS, porque, apesar da utilização das moedas locais, o dólar ainda influencia muito nas economias nacionais", afirma.

Rinaldi, por sua vez, aponta a segurança e a capacidade de fortalecer o NDB como fatores a serem levados em conta neste próximo mandato de Dilma, sobretudo pelas incertezas geradas no cenário internacional com Donald Trump no comando da Casa Branca.

"O NBD pode servir — como já tem feito — de instrumento 'seguro' de empréstimo, visando investimentos nos setores de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Essa segurança está no fato de que as regras não vão mudar repentinamente e que há certa previsibilidade em torno das condições de empréstimo e aplicação dos recursos", ressalta.

Influência brasileira no BRICS 'depende única e exclusivamente da vontade do governo brasileiro'

Questionados sobre uma eventual possibilidade de maior influência do governo brasileiro sobre o Banco do BRICS, uma vez que uma representante do país seguirá no comando da instituição, os entrevistados levantaram pontos diferentes.

Para Rinaldi, o fato de ter sido reconduzida por unanimidade dá à presidente Dilma condições de exercer o cargo de acordo com o que ela e sua equipe julgarem adequados e respeitando as regras do jogo.

"Tanto é assim que, durante sua gestão, houve uma distribuição mais ou menos equilibrada de projetos aprovados entre os membros do BRICS, mesmo ela tendo sido indicada pelo Brasil. O ponto é que ela precisará negociar com os envolvidos e, acima de tudo, atender à missão do banco", pontuou.

Já Domingues, por sua vez, salienta que, no que diz respeito ao Brasil, a influência brasileira no BRICS "depende única e exclusivamente da vontade do governo brasileiro de se fazer influente" no grupo, apontando para uma ausência do país dentro do próprio grupo.

"A própria relação que o Brasil está tendo com a cúpula do BRICS sendo presidente é uma relação de não prioridade. Quando o Brasil decide apertar toda a agenda do BRICS nos primeiros seis meses do ano, numa clara movimentação, no sentido de priorizar a realização da COP, o Brasil demonstra que não tem muito interesse ou não está dando a devida prioridade para o desenvolvimento da agenda dos BRICS", reflete.

Sobre Dilma, essencialmente, ele acredita que não haverá influência, já que a presidente do banco conduz o Banco do BRICS de forma baseada no sentido de atrair mais parceiros.

A integração de novos parceiros, inclusive, também está na ordem do dia para o futuro da instituição. "Há espaço para a expansão", diz o professor da PUC-SP. Entretanto, "no último relatório divulgado pelo banco não há sinalização clara a respeito de quem poderá entrar e sob quais condições". Apesar disso, economias emergentes como Vietnã, Nigéria e Malásia, destacadas por Rinaldi como exemplos que acendem no cenário internacional, teriam condições de fazer parte do banco.


Por Sputinik Brasil