PÓS-ELEIÇÕES

A cada 10 candidatos eleitos em 2024 no Nordeste, um é ligado à força de segurança

Especialista diz que fenômeno denominado de "policialismo" se trata de uma onda política, mas que tende a perder força com o tempo

Por Karina Dantas Publicado em 18/10/2024 às 09:52

A participação de candidatos ligados à força de segurança — como policiais, sargentos, bombeiros, delegados, membros das forças armadas, entre outros — tem sido frequente no Brasil. Nas eleições de 2024, 6,9 mil candidatos do país se descreveram como agentes das forças de segurança e, deste número, 856 (12%) foram eleitos no primeiro turno. O mesmo percentual também foi registrado nos municípios da região Nordeste, em que dos 1.581 candidatos desta categoria, 191 (12%) foram eleitos.

Os dados analisados pela Agência Tatu são do levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz e mostram que, mesmo com a redução no número absoluto de candidatos dessas categorias em relação ao pleito de 2020, a proporção se mantém, quanto ao total de candidatos.

Em 2016, o percentual de participação de candidatos ligados à força de segurança foi de 1,38% (6.380), já em 2020, a proporção desses candidatos foi de 1,41% (7.226), dentre o total de candidatos no país. Em 2024, o percentual de candidaturas apresentadas de forças de segurança foi de 1,49% (6.918), em relação ao total de candidatos que foi 463.367.

A participação de membros das forças de segurança nas eleições brasileiras é denominada pelo Instituto Sou da Paz de “policialismo”. Para o Instituto, o fenômeno transforma a segurança pública em uma plataforma política e eleitoral, comprometendo a função primordial das instituições policiais de servirem ao interesse público.

“Em vez de uma segurança pautada na efetivação de direitos, essa instrumentalização prioriza interesses políticos de curto prazo pautadas em propostas populistas e de baixo resultado, corroendo a confiança nas forças de segurança e desviando o foco da construção de políticas públicas efetivas e sustentáveis”, diz um trecho da pesquisa.

A região Nordeste foi a segunda do país que registrou o maior número de candidaturas de forças de segurança, com um total de 1.581 políticos, significando 23,2% do total de candidatos, enquanto o Sudeste teve 3.023 candidatos dessa área, representando 43,% do total. O número segue a lógica proporcional do eleitorado nas regiões brasileiras, uma vez que o Sudeste tem 42,9% dos eleitores do país e o Nordeste também fica em segundo lugar, com 27,8% do eleitorado.

Entre os estados do Nordeste, o Piauí elegeu o maior percentual de candidatos de forças de segurança. Ao todo, foram eleitas 17 pessoas dentre as 85 que se candidataram, o que representa 20%. Em seguida, Pernambuco elegeu 16% (27), dentre o total de candidatos ligados à força de segurança, que foram 168.

Por outro lado, o Maranhão foi o estado nordestino que apresentou o menor percentual de eleitos ligados às forças de segurança, com 8,39% (13) do total de 155 agentes que se candidataram. Alagoas teve o segundo menor percentual, uma vez que 9,8% (10) dentre os 102 candidatos foram eleitos, apesar de ter sido o segundo estado do Nordeste com a maior proporção de candidaturas desta categoria.

Na apresentação da pesquisa, o Instituto Sou da Paz alerta para o risco de que essa maior presença no Poder Legislativo possa resultar em uma agenda voltada aos interesses corporativistas das forças de segurança, sem necessariamente representar avanços para a segurança pública da população em geral.

“Além disso, a ‘militarização’ do debate político poderia dificultar a implementação de políticas de segurança efetivas, cidadãs e focadas na defesa de direitos. Soma-se a isso uma preocupação crescente com a politização das forças de segurança e os riscos que essa politização poderia acarretar para a democracia”, afirma o instituto especialista em analisar dados sobre violência e criminalidade.

Onda política das forças de segurança

Para o professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), doutor e mestre em Ciência Política, Ranulfo Paranhos, o resultado das urnas em 2024 não difere muito de outros anos e representa uma onda política que demonstra a preferência do eleitorado neste momento.

Chamamos de ‘onda política’ porque se você olha o mar e vem uma onda, quando chega na praia ela tende a se desmanchar e depois ela retorna para o mar. Sempre tem isso na política.

Ranulfo Paranhos, cientista político

“De tempos em tempos a gente tem ondas na política. Veja, nós passamos durante muito tempo por uma onda de comunicadores de programas policiais sensacionalistas (…). Essa onda foi substituída pelos influenciadores e antes da onda influencer acabar, você já tem aí concomitantemente uma onda começando a ganhar força em relação a indivíduos ligados às forças de segurança”, explica o especialista.

Por mais que exista a impressão de que a participação de agentes de forças de segurança na política seja mais frequente atualmente, os dados mostram que isso se mantém nos últimos anos, ao observar desde as eleições municipais de 2012. Ranulfo Paranhos explica que essa participação sempre foi um procedimento normal.

cientista político, Ranulfo Paranhos, fala sobre candidaturas ligadas à força de segurança
Cientista político, Ranulfo Paranhos, fala sobre candidaturas ligadas à força de segurança. Foto: Arquivo Pessoal

“A gente tem mais acesso à informação, então parece que políticos ligados às forças de segurança são mais, mas na verdade isso é uma impressão que a gente tem. A diferença é que agora é como se a gente se importasse mais, como se eles ocupassem mais espaço. E talvez tenham tido mais votos, mas aí é uma outra discussão”, relata Paranhos. 

Segundo o cientista político, mesmo que a participação de agentes de forças de seguranças esteja dentro do previsto, ainda assim é necessário que se discuta uma legislação que coloque regras a esses indivíduos e suas candidaturas, tais como o tempo de serviço exigido para a desincompatibilização  — que é o ato em que o candidato é obrigado a se afastar de certas funções, cargos ou empregos na administração pública, direta ou indireta, para poder estar apto a disputar as eleições.

Outra regra utilizada como exemplo, mencionada por Ranulfo Paranhos, é de que os candidatos ligados às forças de segurança não poderiam fazer uso das suas funções e sequer usar a patente na candidatura.

“Existe uma discussão ainda muito incipiente no Congresso Nacional referente a isso daí [regras para candidaturas relacionadas à força de segurança]. Ela não prosperou ainda, e estão acabando as eleições. A gente vai entrar num ano pré-eleitoral, que é o ano de 2025, e talvez essa discussão retorne”, afirma o especialista em Ciência Política.

A discussão citada por Paranhos é referente à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 42/2023, apresentada pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), que está em tramitação no Senado Federal e altera as condições de elegibilidade por militares da ativa. O objetivo da PEC, segundo o senador, é despolitizar as Forças Armadas.

O texto prevê aumentar o tempo de serviço exigido para que militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica possam concorrer em eleições sem perder a remuneração. A proposta é de que a remuneração seja mantida somente se o militar tiver 35 anos de serviços prestados. Na regra atual, o militar que se candidata pode manter seus vencimentos se tiver mais de 10 anos de serviço. A PEC ainda está na fase de discussões.

Ao observar a situação nas capitais do país, Rio de Janeiro e Maceió tiveram o mesmo percentual de participação de candidaturas de forças de segurança nas eleições atuais, de 8%. Em seguida, Macapá aparece com 6,7% e Porto Velho com 6,4%.

Diferente do resultado já esperado da capital fluminense — que é marcada pelo crime organizado e presença de militares organizados —, Maceió surpreende ao estar no topo da lista, considerando que é a primeira vez que figura no ranking das 10 cidades com maior participação de candidaturas relacionadas à força de segurança nas eleições municipais.

De acordo com o cientista político, Ranulfo Paranhos, o resultado da capital alagoana também expressa uma onda política do comportamento do eleitorado. “Em uma democracia, a gente tem que estar preparado para isso. É a preferência do eleitor médio. Então, se é a preferência de um eleitor médio, o máximo que a gente pode fazer é entendê-la, estudá-la e os formadores de opinião devem promover conscientização”, finaliza.