Em discurso, Lula critica o Conselho de Segurança da ONU: “Encolhe quando se omite”
Em seu discurso na abertura da “Cúpula do Futuro”, em Nova York, o presidente Lula destacou a necessidade urgente de reformas na ONU para que a organização cumpra seu papel histórico, enfatizando a importância de não retroceder em temas como igualdade de gênero, combate ao racismo e à fome.
Também abordouo fracasso iminente em alcançar as metas da Agenda 2030 e a necessidade de uma ação global mais ambiciosa e ousada, especialmente em relação à governança global, mudanças climáticas e inclusão digital. O Brasil, na presidência do G20, propõe uma aliança global contra a fome e a pobreza, e defende a reformulação das instituições multilaterais para melhor atender as demandas do Sul Global. Confira a íntegra do discurso:
Ressaltei nesta tribuna a necessidade de reformas para que a ONU pudesse cumprir seu papel histórico. Aquela reflexão conjunta rendeu frutos, como a Comissão de Consolidação da Paz e o Conselho de Direitos Humanos. Outras ideias, no entanto, não saíram do papel.
Temos duas grandes responsabilidades perante aqueles que nos sucederão. A primeira é nunca retroceder. Não podemos recuar na promoção da igualdade de gêneros, nem na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação. Tampouco podemos voltar a conviver com ameaças nucleares. É inaceitável regredir a um mundo dividido por fronteiras ideológicas ou zonas de influência. Naturalizar a fome de 733 milhões de pessoas seria vergonhoso. Voltar atrás em nossos compromissos seria colocar em cheque tudo que construímos arduamente.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos e caminham para se tornarem o nosso maior fracasso coletivo. No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo. Na presidência do G20, o Brasil lançará uma aliança global contra a fome e a pobreza para acelerar a superação desses flagelos. Na COP28 do Clima, o mundo realizará um balanço global da implementação das metas do Acordo de Paris. Os níveis atuais de redução das emissões de gases de efeito estufa e de financiamento climático são insuficientes para manter o planeta seguro.
Em parceria com o secretário-geral da ONU e como preparação para a COP30, vamos trabalhar por um balanço ético global, reunindo diversos setores da sociedade civil para pensar a ação climática sob o prisma da justiça, da equidade e da solidariedade. Nossa segunda responsabilidade comum é abrir caminhos diante dos novos riscos e oportunidades.
O Pacto para o Futuro nos aponta a direção a seguir. O documento trata, de forma inédita, temas importantes como a dívida dos países em desenvolvimento e a tributação internacional. A criação de uma instância de diálogo entre chefes de Estado, governo e líderes de instituições financeiras internacionais promete recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial.
O Pacto Global Digital é um ponto de partida para uma governança digital inclusiva, que reduza as assimetrias em uma economia baseada em dados e mitigue o impacto de novas tecnologias, como a inteligência artificial. Todos esses avanços serão louváveis e significativos, mas ainda nos faltam ambição e ousadia. A crise da governança global requer transformações estruturais. A pandemia, as guerras na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e as mudanças climáticas escancaram as limitações das instâncias multilaterais.
A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões. A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado. A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades. As instituições financeiras desconsideram as prioridades e necessidades do mundo em desenvolvimento. O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político e econômico.