Como votaram os ministros do STF no julgamento para ampliar alcance do foro privilegiado
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para ampliar o alcance do foro privilegiado de autoridades. Seis dos 11 integrantes da Corte já votaram pela manutenção do foro especial mesmo após o fim da função pública de um investigado, em casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele. O julgamento foi interrompido nesta sexta-feira, 12, por pedido de vista do ministro André Mendonça.
Pela regra atual, o foro privilegiado termina quando o alvo de um inquérito deixa o cargo. Com o novo entendimento, na prática, o STF julgará crimes de deputados, senadores, ministros e outras autoridades relacionados ao exercício dos cargos, mesmo que o agente público já tenha deixado a função.
O julgamento em curso trata de um habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). Ele é réu na Justiça do Distrito Federal por suspeita de operar um esquema de "rachadinha" (apropriação de salários de servidores), quando exercia a função de deputado federal. Ao deixar esse posto, em 2014, perdeu o foro especial.
A defesa, além de negar as acusações, diz que o processo deveria tramitar no Supremo, pois Zequinha deixou de ser deputado federal, mas foi eleito a outros cargos com prerrogativa de foro, como vice-governador do Pará de 2015 a 2019 e senador da República desde então.
Confira o que argumentam os ministros da Suprema Corte:
Gilmar Mendes, relator
O ministro Gilmar Mendes, decano da Corte, em seu parecer, votou pela ampliação do foro para além do exercício das funções públicas. O relator fez um retrospecto histórico do dispositivo jurídico e concluiu que a centralização do julgamento em uma única instância, mesmo após a saída do cargo, trará mais "racionalidade" para a tramitação dos processos, dinamizando as decisões.
Segundo o relator, centralizar o foro para além do período no cargo é "focar na natureza do fato criminoso, e não em elementos que podem ser manobrados pelo acusado (permanência no cargo)".
"O caso dos autos descortina um grave problema gerado pelos critérios atuais", diz Gilmar, recapitulando a lenta tramitação do processo contra Zequinha Marinho, que perdura desde 2013. Para o ministro, a situação do senador exemplifica as brechas das regras vigentes.
"No total, da instauração do inquérito policial até hoje, já se passou mais de uma década, mas ainda não se concluiu a instrução processual. Não houve nem mesmo o interrogatório do réu. Esse andar trôpego é um retrato sem filtro dos prejuízos que podem ser gerados pelo entendimento atual, que, com a devida vênia, traz instabilidade para o andamento das investigações e ações penais", afirmou o relator.
Dias Toffoli
O ministro Dias Toffoli concordou integralmente com as considerações do relator, sem emitir considerações em voto separado.
Cristiano Zanin
Cristiano Zanin também seguiu o entendimento do relator. O ministro argumenta que o foro não é uma prerrogativa pessoal, ou seja, do ocupante do cargo, mas uma garantia associada ao exercício das funções públicas. Ao fim do período, segundo Zanin, não é possível renunciar ao foro, pois ele permaneceria ligado à função exercida.
De acordo com o ministro, o foro "não tutela a pessoa, mas o cargo público. Seu titular, assim, não tem o poder de renunciar à garantia da jurisdição especial".
"Entendo que a referida proposta (ampliação do foro) contribui, a um só tempo, para garantir uniformidade, eficiência e segurança jurídica aos provimentos jurisdicionais, evitando oscilações incessantes de competência e declínios indefinidos de processos", disse Zanin no voto.
Flávio Dino
Flávio Dino concordou com o entendimento de Gilmar. Segundo o ministro, o foro competente é definido no início da investigação sobre uma eventual conduta criminosa. Assim, a competência não pode ser alterada no curso do inquérito, mesmo que o investigado deixe o cargo público.
"Em qualquer hipótese de foro por prerrogativa de função, não haverá alteração de competência com a investidura em outro cargo público, ou a sua perda, prevalecendo o foro cabível no momento da instauração da investigação pelo Tribunal competente", afirmou Dino no voto.
Alexandre de Moraes
Para Alexandre de Moraes, centralizar o julgamento dos casos com foro no STF será mais eficiente para o andamento dos casos na Justiça, pois, do contrário, todos os trâmites em curso recomeçariam na primeira instância.
Além disso, argumenta Moraes, a extensão do foro consolida um entendimento que já vem sendo adotado pelo STF no caso de autoridades que mudam de cargo público com prerrogativa especial.
"Acompanho Gilmar Mendes no sentido de estabelecer um critério focado na natureza do fato criminoso", disse Moraes. "A proposta apresentada atende a essa finalidade, não acarretando qualquer prejuízo à efetividade da aplicação da Justiça criminal", afirmou o ministro.
Luís Roberto Barroso
O presidente do STF também seguiu o entendimento do relator. Luís Roberto Barroso argumenta que, sem a centralização do foro em uma só instância, os processos que envolvem autoridades públicas tendem a tramitar de forma lenta, "oscilando" entre competências e tornando a Justiça "disfuncional". O ministro analisa que esses deslocamentos, possíveis com a regra atual, provocam "atrasos, ineficiências e prescrição".
"Considerando as finalidades constitucionais da prerrogativa de foro e a necessidade de solucionar o problema das oscilações de competência, que continua produzindo os efeitos indesejados de morosidade e disfuncionalidade do sistema de justiça criminal, entendo adequado definir a estabilização do foro por prerrogativa de função, mesmo após a cessação das funções", argumentou Barroso no voto.
O que é o foro e o que muda com a decisão do STF?
O foro especial é um dispositivo da legislação penal que especifica quais são as autoridades aptas a julgar determinados tipos de agentes públicos.
Segundo a lei, algumas autoridades só podem ser julgadas pelo STF. É o caso de presidente da República, vice-presidente, ministros de Estado, deputados, senadores, procurador-geral da República, comandantes das Forças Armadas, ministros de Tribunal de Contas da União (TCU) e chefes de missão diplomática.
Com a regra atual, fixada em um entendimento do Supremo de 2018, essas autoridades só podem ser investigadas por crimes cometidos durante o exercício de um cargo em curso.
Quem vai ser afetado?
Concedendo o habeas corpus a Zequinha Marinho, o caso do senador será remetido ao Supremo e, por extensão, outros processos similares seguirão o mesmo caminho. Tratam-se de ações envolvendo autoridades que já deixaram o cargo público e estão sendo investigadas por possíveis crimes cometidos durante o exercício das funções.
A decisão também fará com que deixem de existir contestações sobre casos de autoridades já sem cargo no Supremo. É o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que já deixou a Presidência, mas é alvo de inquéritos no Supremo. Pela regra atual, Jair Bolsonaro perdeu o foro ao deixar o cargo. Alguns inquéritos contra o ex-presidente, porém, permanecem no STF e a competência é questionada pela defesa dele, como a investigação por suposta fraude nos cartões de vacina e a apuração sobre as joias sauditas, esquema revelado pelo Estadão. A defesa de Bolsonaro tentava remeter esses inquéritos a instâncias inferiores, mas o novo entendimento sobre o foro especial manterá os casos no Supremo.