Política

'Quero libertar a Procuradoria de pautas ideológicas', diz candidato à chefia do MPSP

Publicado em 07/04/2024 às 04:00

O procurador José Carlos Bonilha, 60 de idade, 34 de carreira, candidato de oposição a procurador-geral de Justiça de São Paulo, tem um mundo de metas traçadas na cabeça, se eleito. Uma delas, em suas palavras, é 'libertar a Procuradoria-Geral de Justiça de pautas de natureza ideológica'.

"Assegurar a independência funcional dos promotores, Ministério Público de São Paulo sem militância político-partidária. Recuperação da autoestima, arranhada por equivocadas posturas adotadas pela chefia da Instituição, ao se aproximar inadequadamente da política partidária."

O futuro procurador-geral vai substituir Mário Luiz Sarrubbo, que dirigiu a Instituição por dois mandatos consecutivos em quatro anos. Agora aposentado, Sarrubbo assumiu a cadeira de secretário nacional de Segurança Pública do governo Lula.

A eleição para o topo do Ministério Público paulista ocorre no próximo dia 13, sábado. Ela é feita pelo sistema eletrônico. Os promotores votam de onde estiverem, pelo computador, pelo celular. A apuração se dá em minutos, após encerrado o pleito.

Cerca de dois mil promotores vão eleger a lista tríplice. Os nomes serão levados ao Palácio dos Bandeirantes e submetidos ao governador Tarcísio de Freitas, a quem cabe escolher o novo chefe do Ministério Público estadual.

O governador, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, pode indicar qualquer nome da lista tríplice, não importa a colocação do escolhido. Prerrogativa que a Constituição confere ao chefe do Executivo. O eleito vai comandar a Procuradoria por dois anos. Ele pode se candidatar à reeleição.

Cinco são os candidatos à cadeira mais cobiçada do MP.

Pela situação, com apoio de Sarrubbo, saem dois procuradores: José Carlos Cosenzo e Paulo Sérgio de Oliveira e Costa.

Pela oposição, dois procuradores subiram no ringue; José Carlos Bonilha e Antônio Da Ponte.

A procuradora Tereza Exner, única mulher no embate, corre 'por fora', nem alinhada à oposição, nem à situação. É briga boa.

A reportagem do Estadão entrevistou os cinco. A eles foram enviadas perguntas por escrito - o mesmo rol de indagações a todos.

José Carlos Bonilha é católico, casado, pai. Gosta de literatura, música e viagens. Esportes também.

Em sua campanha à PGJ, Bonilha constatou o que chama de 'falta de estrutura e apoio' às Promotorias. E mais: "Constatei inquietação e desejo de que haja correção de rumos na Procuradoria-Geral de Justiça".

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DE JOSÉ CARLOS BONILHA AO ESTADÃO

Qual o seu Ministério Público ideal?

Que esteja em permanente contato com a sociedade e receba dela a pauta genuína, colocando todo o seu portentoso ferramental à disposição para equacionar as demandas sociais. Ministério Público de São Paulo sem militância político-partidária e que esteja conectado com as legítimas reivindicações apresentadas pela sociedade. Cumpridor da Constituição e das leis.

Que projetos o sr. tem para a Instituição?

Libertar a Procuradoria-Geral de Justiça de pautas de natureza ideológica. Assegurar a independência funcional dos membros da Instituição. Conferir aos titulares das Promotorias de Justiça autonomia na gestão administradora. Ampliar o home office para todos os membros e servidores, inclusive promotores substitutos. Resgatar o protagonismo da PGJ juntos aos Tribunais. Recuperar a paridade vencimental, quitando o passivo que a Instituição contraiu para com os seus membros e servidores. Incrementar a atuação na área criminal, dever primário do MP. Investir em investigações, estimulando a qualificação de membros e servidores. Aperfeiçoar os sistemas operacionais para que sejam intuitivos, inteligentes e de fácil navegação. Dotar as unidades de quadro adequado de servidores, analistas, oficiais e auxiliares, bem como de estagiários. Valorizar a atuação na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Recuperação da importância na atuação em defesa da família, da infância e da juventude.

Por que quer ser procurador-geral de Justiça de São Paulo?

Para recuperar a Procuradoria-Geral, devolvendo a ela a importância que lhe cabe. Para trabalhar colocando o MP como verdadeiro protagonista nas suas áreas de atuação. Devolvendo a autoestima aos membros e servidores. Defender incansavelmente os valores caros ao MP, assegurando a autonomia orçamentária, fazendo com que as suas teses institucionais sejam acolhidas. Para atuar com altivez, de maneira republicana, com independência e sem preocupação com interesses pessoais, pois a Instituição está e sempre estará acima dos ocupantes dos seus cargos.

O que pretende priorizar na reta final de campanha?

Continuar estabelecendo contatos com toda a classe, pois o nosso projeto é verdadeiramente coletivo e institucional, e não pode prescindir dos valorosos subsídios oferecidos pelos que se acham na linha de frente, na atividade-fim. O projeto está em constante mutação, nunca findo, e absorve as colaborações ofertadas pelos qualificadíssimos membros do Ministério Público de São Paulo.

A reta final também será aproveitada para esclarecer os eleitores e eleitoras a respeito do nosso projeto, e suas diferenças para com os demais. Toda reunião é importante, porque alimenta o projeto e assegura instrução e informação aos eleitores.

Em suas visitas às Promotorias o que pôde constatar?

Constatei uma enorme abnegação e dedicação por parte dos qualificados colegas, que têm indisfarçável vocação para servir a sociedade. Constatei falta de estrutura e apoio, que devem ser fornecidas pela PGJ. Constatei inquietação e desejo de que haja correção de rumos na PGJ.

O que é que os promotores mais almejam?

Estrutura consentânea com a realidade. Melhores condições de trabalho, com mais servidores, sistemas operacionais adequados, e valorização da atividade-fim. Investimentos e qualificação. Recuperação da autoestima, arranhada por equivocadas posturas adotadas pela chefia da Instituição, ao se aproximar inadequadamente da política partidária, vez que isso não consulta os superiores interesses do MP.

Promotor também deveria concorrer ao topo do MP? Por quê?

Sem dúvida alguma. Estabelecidos uma idade mínima e um tempo mínimo de carreira, nada impede que promotoras e promotores ofereçam os seus nomes para disputarem os cargos da administração superior e comporem a comissão de concurso.

Há incontáveis colegas que têm muita experiência de vida e funcional, sensibilidade, sabedoria, talento, e que fizeram a opção por permanecer trabalhando na primeira instância. Esses colegas devem ser aproveitados para emprestar o seu talento e sabedoria, nada justificando que sejam alijados, em decorrência de normas preconceituosas e anacrônicas contidas na Lei Orgânica do MPSP.

A oxigenação e o arejamento devem ser implementados, com a permissão para que colegas que optam por permanecer na primeira instância venham a disputar esses cargos de destaque e relevo, como também venham a integrar a comissão de concurso de ingresso à carreira.

O governador é bolsonarista. Ele vai escolher o futuro chefe da Instituição. Se o sr. assumir o comando do MP paulista, conseguirá agir com isenção em investigações sobre o ex-presidente Bolsonaro?

Cabe ao procurador-geral de Justiça, como chefe do MP, agir com independência e imparcialidade, cumprindo as normas constitucionais e legais, sem que haja qualquer inferência de natureza pessoal ou política partidária. Por isso não parece adequado que o cargo seja ocupado por aquele que já se afastou da carreira, servindo ao governo do Estado. Espera-se atuação correta e isenta, e esse é um dos compromissos que assumo.

Como vai proceder em episódios como a Operação Verão, à qual têm sido atribuídas até execuções por policiais militares na Baixada Santista?

A Polícia Militar goza merecidamente de muito prestígio junto ao conjunto social, mercê dos relevantes serviços que presta à população. A criminalidade vem aumentando assustadoramente e é dever primário do MP se unir às forças de segurança do Estado, para assegurar segurança pública, tão desejada pela sociedade. O MP não tem pauta própria. A pauta é da sociedade e ela clama por segurança.

Excessos perpetrados por aqueles que estão nas ruas, combatendo a criminalidade, devem ser apurados e, se o caso assim o recomendar, responsabilizados.

Não se pode, no meu entender, partir da equivocada premissa de que a PM, enquanto corporação, atua com desmedida violência e contra os interesses da população.

O Supremo Tribunal Federal tem sido criticado por sua atuação em casos emblemáticos como a investigação do 8 de Janeiro. Vê excessos?

Não conheço os autos, e o que sei deriva de notícias jornalísticas. Talvez, ou certamente, os autos revelem elementos de prova que indiquem a ocorrência dos graves crimes.

A essa conclusão não se pode chegar vendo apenas as imagens, que sugerem depredação ao patrimônio público e histórico, quebra-quebra, baderna generalizada, desordem etc…

Não vi tanques nas ruas nem apoio das Forças Armadas. Assisti, como todos nós, a uma grotesca manifestação, que não pode ser admitida. Mas não tenho condições de afirmar conclusivamente, por não ter acesso aos autos dos processos.

Dezessete anos de prisão para invasores da Praça dos Três Poderes, acusados de atos antidemocráticos e abolição violenta do estado de direito, é uma pena justa?

Reporto-me ao que disse.

Qual a sua proposta para o drama da Cracolândia?

Questão absolutamente complexa, que exige ser enfrentada a partir do ponto de vista da saúde pública, da habitação e moradia, da segurança pública, da ordenação e adensamento em vias públicas, da ocupação de espaços públicos e da dignidade da pessoa humana.

Há uma decisão monocrática do STF que impede que municípios e Estados-membros adotem medidas para a retirada das pessoas que se encontram nas ruas. Essa decisão confere prazo para que o governo federal apresente plano para o enfrentamento dessa grave questão, que aflige a todos, e não apenas aos que estão em condições sub-humanas.

Penso que o respeito à dignidade da pessoa humana esteja a inspirar e exigir tomada de medidas adequadas, restabelecendo as condições mínimas para que essas pessoas recobrem a capacidade e discernimento, isso merece ser aquilatado e, a partir dessa aferição, encaminhar-se para tratamento, recuperação, desintoxicação, sinalizando concreta possibilidade de retomada à normalidade.

Qual a sua sugestão para o futuro prefeito de São Paulo?

São inúmeros os desafios que a cidade apresenta. Mobilidade, déficit habitacional, insegurança, educação e saúde deficitárias, questões ambientais, famílias morando nas ruas… e tantos outros temas que uma metrópole tão desigual do ponto de vista socioeconômico apresenta.

Somar esforços com o governo do Estado, estabelecer parcerias público-privadas e trabalhar em conjunto com Poderes e instituições públicas, além da própria sociedade civil organizada, são alternativas factíveis e necessárias. Não se pode, como sabido, prescindir da iniciativa privada, que tem muito a contribuir.

Somente o somatório de esforços poderá permitir o equacionamento dos severos problemas e um melhor porvir.

O PCC avança como um trator e se infiltra em setores do poder público. Como pretende enfrentar o crime organizado cada vez mais ousado e agressivo?

Trabalho de inteligência e valorização dos que se ocupam com a segurança pública. Estabelecimento de parcerias e coragem política para enfrentar o crime organizado. Há qualificadíssimos quadros que atuam na área de segurança pública. É preciso vontade política para valorizá-los, e fazer com que o Estado se faça respeitar, não sendo admissível território que o Estado não possa entrar. Investimento e qualificação dos agentes que devem enfrentar a criminalidade organizada. Vontade política para realizar esse embate. O Estado não pode se acovardar.

Qual a sua receita para redução da criminalidade nos grandes centros?

O crime não pode ser visto como vantajoso, em razão de pequenas sanções, liberdades precocemente obtidas e frouxidão na execução das reprimendas. Claro, há infrações que não exigem que os seus autores sejam encarcerados. Mas estamos a tratar de crimes graves, como latrocínio, tráfico, estupro, corrupção, homicídio, etc…

Para esses delitos, o império da lei deve servir como desestímulo.

O medo da lei reduz a quantidade de crimes.

Sanções adequadas proporcionalmente e executadas corretamente, sem se admitir o retorno ao convívio social para aqueles que não se encontram em condições, servem para a redução da criminalidade.

Por óbvio, há causas subjacentes ao crime, que podem ser abordadas no campo sociológico, que nos remetem à falta de ensino, deficiência ao acesso de postos de trabalho, famílias completamente desestruturadas.

Mas, para além disso, que exige providências por parte do Estado, há que se preocupar com a atualidade e realidade.

Penas rigorosas para crimes graves, que sejam executadas corretamente.

Trabalho de fortalecimento e valorização dos que se ocupam com a segurança pública, atuação inteligente e estabelecimento de parcerias, para o êxito nas investigações, podem e devem ajudar no combate à criminalidade.

A LONGA JORNADA DE JOSÉ CARLOS BONILHA NO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO

Foi promotor de Justiça titular do Júri, de Família e Sucessões, de Registros Públicos, de Direitos Humanos, titular da primeira Zona Eleitoral da capital.

Exerceu funções cumulativas nas comarcas de Urupês, Ibiúna e Campinas.

Como procurador de Justiça, atua perante a Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Foi diretor-geral do Ministério Público de São Paulo e membro, eleito pela classe, do Conselho Superior do MP.

Foi assessor da Corregedoria-Geral do MP. Integrou o Conselho Estadual do Meio Ambiente. Assessorou o Centro de Apoio Operacional de Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo.

É Mestre em Direito pela PUC-SP.

Autor de artigos e livros jurídicos. Lecionou em faculdades de Direito e em cursos preparatórios para concursos públicos. Foi membro da banca examinadora do 11.º Concurso para Outorga de Delegação.