Bolsonaro agiu com 'consciência e vontade' para fraudar cartões de vacinação, afirma PF
A Polícia Federal (PF) afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro "agiu com consciência e vontade" para a fraude em sua carteira de vacinação contra a covid-19, determinando que o ex-ajudante de ordens da Presidência tenente-coronel Mauro Cid "intermediasse a inserção de dados falsos" nos sistemas do Ministério da Saúde em seu benefício e de sua filha Laura.
A reportagem busca contato com as defesas do ex-presidente. O espaço está aberto para manifestações. Nas redes sociais, o advogado Fábio Wajngarten, que representa o ex-presidente, falou em "vazamento aos litros".
Segundo os investigadores, Cid imprimiu a carteira de vacinação falsa do ex-presidente dentro do Palácio da Alvorada. O delator narrou que "recebeu a ordem" de Bolsonaro para fazer as inserções de dados falsos e depois entregou nas mãos do ex-chefe do Executivo o documento falsificado.
"Resta evidenciado que Mauro Cesar Cid, no exercício das atividades de chefe da Ajudância de Ordens da Presidência da República, por determinação de seu superior hierárquico, solicitou a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em benefício do ex-Presidente e de sua filha Laura Firmo Bolsonaro", escreveu o delegado Fábio Alvarez Shor no relatório final da Operação Verine, tornado público nesta terça-feira, 19.
No documento, a Polícia Federal indicia o ex-chefe do Executivo pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação - delitos cujas penas máximas, somadas, podem chegar a 15 anos de reclusão. Além de Bolsonaro, outros 16 investigados foram incriminados pela PF.
O chefe da Operação Verine ainda utilizou o relatório conclusivo da investigação para rebater uma alegação do ex-presidente: a de que seu então braço-direito, Mauro Cid, teria praticado a fraude sem seu conhecimento. Segundo a PF, não há qualquer elemento que indique que o ex-ajudante de ordens, junto de outros investigados diretamente ligados a operacionalização da fraude, se uniram em unidade de desígnios para inserir os dados falsos à revelia do então presidente".
"Ao contrário, conforme demonstrado, todas as pessoas beneficiárias das inserções falsas realizada pelo grupo criminoso tinham não apenas plena ciência, como solicitaram/determinaram as inserções falsas nos sistemas do Ministério da Saúde", frisou Fábio Alvarez Shor.
Segundo o delegado, o ex-presidente se associou com outros investigados, desde "novembro de 2021 até dezembro de 2022, para praticarem crimes de inserção de dados falsos em sistema de informações, especificamente dados de vacinação contra a covid-19, para emitirem os respectivos certificados ideologicamente falsos, no intuito de obterem vantagens indevidas relacionadas a burla de regras sanitárias estabelecidas durante o período de pandemia".
O relatório de 231 páginas da PF detalha o passo a passo da fraude: desde a ordem, de Bolsonaro, para que Cid providenciasse não só sua carteira de vacinação falsificada, mas também o documento da filha Laura, até a tentativa de acobertar o caso, com a destruição dos certificados que haviam sido impressos dentro do Palácio do Alvorada e a exclusão de dados do sistema do Ministério da Saúde.
Em trechos do documento, a Polícia Federal lembra inclusive da conduta do ex-presidente, contrária à vacinação, em especial de crianças e adolescentes. O delegado Fábio Alvarez Shor chega a citar declarações do ex-chefe do Executivo de que não vacinaria sua filha de 11 anos.
O 'modo de agir'
Segundo o inquérito, primeiro Cid pediu ao ex-major do Exército Ailton Barros intermediasse a fraude em benefício de sua mulher, Gabriela Santiago Cid, e de suas três filhas.
Depois, os assessores de Bolsonaro Max Guilherme Machado de Moura e Sérgio Rocha Cordeiro "agiram dolosamente" solicitando que Cid fizesse o meio de campo para a inserção de dados falsos de vacinação em seus nomes nos sistemas do Ministério da Saúde. De acordo com a PF, eles emitiram "por várias vezes, os certificados de vacinação ideologicamente falsos para obtenção de vantagens indevidas".
Só então que o "modus operandi" teria se repetido com Bolsonaro. Segundo a delação de Cid, o ex-presidente ao tomar conhecimento de que o então ajudante de ordens tinha cartões de vacinação contra a covid-19 em seu nome e de seus familiares, "ordenou" que o aliado "fizesse as inserções para obtenção dos cartões ideologicamente falsos para ele e sua filha Laura".
"Que o presidente, após saber que o colaborador possuía os cartões de vacina para si e sua família, solicitou que o colaborador fizesse para ele também; que o ex-presidente deu a ordem para fazer os cartões dele e da sua filha, Laura Bolsonaro; que o colaborador solicitou a Ailton que fizesse os cartões; que o colaborador confirma que pediu os cartões do ex-presidente e sua filha Laura Bolsonaro sob determinação do ex-presidente Jair Bolsonaro e que imprimiu os certificados; que solicitou a inserção de dados no sistema ConecteSus de sua esposa, filhas, ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua filha, Laura Bolsonaro", registra trecho da delação de Cid.
Investigação
A Polícia Federal narra que a apuração da corporação teve início com uma notícia de fato encaminhada pela Controladoria-Geral da União, que relatou a "possível ocorrência de inserção de dados falsos no sistema de informação do Ministério da Saúde", especialmente em nome do ex-presidente.
Segundo a CGU, Bolsonaro teria tomado uma dose da vacina da Pfizer em agosto de 2022, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A segunda dose teria sido ministrada em 14 de outubro do mesmo ano, também no município fluminense.
Tais dados foram encaminhados à Rede Nacional de Dados em Saúde no dia 21 de dezembro de 2022, pelo Secretário de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Souza Brecha (indiciado). Seis dias depois, as informações foram excluídas por uma servidora, Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva (também indiciada) sob a justificativa de erro.
O mesmo teria ocorrido com os dados da vacinação da filha do ex-presidente Laura Bolsonaro e de dois assessores do ex-presidente: Max Guilherme e Sérgio Cordeiro. No caso desses dois últimos, no entanto, os registros não teriam sido excluídos do sistema do Ministério da Saúde.
Com bases nas diligências realizadas na Operação Verine, a PF ressalta que os dados inseridos nos sistemas do Ministério da Saúde são falsos e foram realizados a pedido e no interesse de Bolsonaro e de seus assessores.