Marinha da China aposta em cenário de guerra longa contra EUA nos mares, diz analista

China realiza exercícios navais com Rússia e Irã para testar as capacidades de sua Marinha renovada. Apesar de já ter vantagem em relação aos EUA em número de embarcações, a China ainda tem desafios tecnológicos a superar para garantir sua dissuasão nos mares, disseram especialistas para a Sputnik Brasil.
Nesta quinta-feira (27), o Ministério da Defesa da China confirmou a realização de exercícios navais conjuntos com Rússia e Irã durante o mês de março. Os exercícios, chamados Cinturão de Segurança 2025 foram realizados nas proximidades do porto iraniano de Chabahar.
As partes mobilizaram mais de 10 embarcações, grupos de operações especiais e unidades de mergulho para participar das manobras, realizadas sob o lema "construindo a paz e segurança juntos", declarou o porta-voz do Ministério da Defesa da China, Wu Quian.
Segundo ele, o exercício aprofunda a confiança militar entre China, Rússia e Irã ao coordenar comandos táticos e capacidades operacionais, reportou a Xinhua. O porta-voz chinês enfatizou que seu país está disposto a reforçar a cooperação em defesa com seus parceiros em Moscou e Teerã.

A prontidão da Marinha chinesa em atuar fora do seu entorno estratégico é resultado da necessidade de garantir a dissuasão contra potenciais adversários e proteger rotas comerciais vitais para a sua economia, disseram especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
A Marinha chinesa se encontra renovada após anos de investimentos por parte de Pequim e, em termos quantitativos, supera a Marinha dos EUA em diversos parâmetros, reportou a revista norte-americana Foreign Affairs.
"Os dados que mostram superioridade em número total de navios da China em relação aos EUA devem ser analisados com bastante cautela", disse o mestre em estudos estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Rodrigo Ribeiro. "Ainda que exista uma vantagem quantitativa para a China, ela nem sempre se reverte em vantagem qualitativa."
Pequim de fato possui superioridade em número de corvetas e fragatas, meios navais utilizados sobretudo para a patrulha de regiões costeiras. Em relação a navios e submarinos, a China já atingiu a marca das 400 unidades, contra 300 dos EUA.

"Mas quando observamos o número de destróieres, cruzadores e porta-aviões, que são navios mais complexos, com maior poder de fogo e essenciais para projeção de poder naval longe do território, os EUA superam a China qualitativa e quantitativamente", ressaltou Ribeiro.
Segundo ele, a defasagem tecnológica entre as duas marinhas também é significativa: enquanto os EUA operam 11 porta-aviões com propulsão nuclear, a China possui dois porta-aviões ativos (e um em fase de teste), todos de propulsão convencional.

O resultado é que, na prática, a China consegue dissuadir os EUA no seu litoral e garantir a segurança da sua costa, mas ainda não se projetar na escala global.
"Isso está de acordo com a estratégia marítima da China, que deixa claro que a prioridade é projetar poder dentro do seu entorno estratégico e garantir a reunificação de Taiwan", disse o especialista da UFF.
Em contraste, a Marinha norte-americana opera em diversos teatros, não só no Extremo Oriente, disse o professor e doutor em história da Escola Naval da Marinha do Brasil, Leonardo da Costa Ferreira.

"A Marinha dos EUA se faz presente no Iêmen, dá suporte logístico para Israel no Mediterrâneo, atua no mar do Norte em função da Rússia, no Atlântico Norte para resguardar o litoral norte-americano e no golfo do México", disse Costa Ferreira à Sputnik Brasil. "Já a chinesa se mantém concentrada no seu entorno estratégico imediato."
Vantagens chinesas
Apesar do desafio de superar a Marinha dos EUA, a China possui algumas vantagens estruturais que podem fazer a diferença nessa corrida naval, acreditam os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
"A China não só já está na vantagem quantitativa, mas ainda essa frota é mais nova, feita já com tecnologias do século 21", disse Costa Ferreira à Sputnik. "Os chineses lançam um porta-avião e um submarino nuclear, em média, a cada seis anos, enquanto os EUA precisam de 12 anos para fazer a mesma coisa. A verdade é que os chineses lançam o dobro da tonelagem geral do que os norte-americanos."
A pujança da produção chinesa é observada na capacidade de seus estaleiros navais. De acordo com o professor da Escola Naval, só o estaleiro de Jiangnan, em Xangai, tem capacidade para produzir mais meios navais do que de seus similares em quaisquer países da OTAN.

"Os estaleiros navais dos EUA ainda utilizam tecnologias convencionais: a solda é feita manualmente, os guindastes são do tempo da Segunda Guerra. Os trabalhadores estão na faixa dos 40 aos 50 anos de idade", disse Costa Ferreira. "Por outro lado, o estaleiro de Xiangnan na China trabalha com soldadores robóticos, mão de obra na casa dos vinte anos, de pessoal formado em engenharia, arquitetura naval e tecnológica da informação."
Guerra longa
A capacidade industrial da China – hoje é responsável pela produção de 53% da construção naval mundial – garantiria rápida reposição de meios navais perdidos em um eventual conflito de larga escala.
"A China fez uma aposta na quantidade de meios navais como recurso de dissuasão, o que aponta para a preparação para conflitos longos", considerou Costa Ferreira. "Do ponto de vista da história naval, em um cenário de guerra longa é essencial que você possa substituir rapidamente os meios navais perdidos."
A história naval ensina que a capacidade de reposição – determinada pela pujança industrial – pode dar a vantagem ao país, mesmo que inicialmente sua marinha seja inferior.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão perdeu sua vantagem naval diante da capacidade industrial norte-americana, que garantiu ritmo alto de construção de meios navais durante o conflito.
"Apesar de os EUA ainda terem uma vantagem qualitativa nos seus meios navais, a quantidade pode fazer diferença, à medida que seu inimigo perde unidades e não conseguir fazer a reposição com qualidade", explicou Costa Ferreira. "Pelo visto, os chineses estudaram a história da Marinha dos EUA e adotaram a visão de que quantidade importa, se nosso inimigo for capaz de lutar uma guerra de longo prazo."
Especialistas norte-americanos estão cientes das dificuldades e apontam que o país demandará cerca de US$ 40 bilhões de dólares (cerca de R$ 229 bilhões) anuais para manter a sua vantagem naval em relação à China.

"Isso dá US$ 1,2 trilhão [cerca de R$ 6,8 trilhões] em três décadas, só para a Marinha, tirando o orçamento necessário para as outras forças e guardas", considerou Costa Ferreira. "Vamos ver se a classe média dos EUA vai bancar um investimento dessa monta, considerando que o país está precisando aumentar investimentos em áreas sociais, como saúde e moradia."

Os chineses também compreendem os seus desafios à frente e elencaram as principais metas para o seu desenvolvimento naval. Em seu Livro Branco de Defesa, Pequim espera superar a Marinha dos EUA qualitativamente até 2030.
"Na minha visão, não parece que isso vai se concretizar até essa data, mas acredito, sim, que a China tem capacidade de reduzir essa diferença no médio prazo", considerou Ribeiro. "A capacidade de construção naval da China vai fazer sua defasagem diminuir e, por consequência, sua dissuasão aumentar."
O professor da Escola Naval Costa Ferreira concorda e aposta que "a desvantagem quantitativa dos EUA hoje pode virar uma desvantagem qualitativa no médio prazo, em função da capacidade industrial da China, aliada à sua vontade política e recursos disponíveis para investir em defesa", concluiu o especialista.