Guerra de narrativas: réu, Bolsonaro reforça sua imagem como vítima e alimenta base, diz analista

Após virar réu por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro falou à imprensa cercado de apoiadores nesta quarta-feira (26) por cerca de 50 minutos. Na tentativa de se defender, negou as acusações da PGR e se disse vítima de perseguição. Para analistas, a tendência é que a narrativa seja inflamada daqui em diante.
O Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou de forma unânime a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e outros sete aliados — Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e atualmente deputado federal; Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha do Brasil; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil — que se tornaram réus por tentativa de golpe de Estado.
Bolsonaro, que esteve presente ontem no STF para assistir ao julgamento, não compareceu hoje. Após a decisão dos ministros, ele falou à imprensa em frente ao Senado, em Brasília. Cercado de apoiadores, entre eles o filho e senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o ex-presidente negou que tenha articulado com comandantes das Forças Armadas minuta para um golpe, conforme sustenta a denúncia da PGR.
Ao argumentar por que não esteve presente na etapa de hoje do julgamento, ele afirmou que já sabia o que aconteceria e se disse vítima de perseguição. A partir daí, Bolsonaro voltou a atacar o sistema eleitoral e defendeu o voto impresso.
"Não sou obrigado a confiar, a acreditar no programador [das urnas]. Confio na máquina, não sou obrigado a confiar no programador", disse.
Além disso, Bolsonaro fez questão de incitar o julgamento como perseguição: "Parece que tem algo pessoal contra mim, as acusações são muito graves".
Ele também criticou a condução do ministro Alexandre de Moraes, colocando as decisões do magistrado em cheque e também teceu críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para Tayná Paolino, doutoranda em ciências sociais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e coordenadora do Laboratório de Partidos Políticos, Eleições e Política Comparada (Lappcom), a tendência é que a "crítica ao sistema eleitoral e aos ministros da Suprema Corte — especialmente a Alexandre de Moraes — deve permanecer como eixo estruturante dessa narrativa" adotada pelo ex-presidente.
A analista aponta que Bolsonaro deve reforçar sua imagem como vítima diante do sistema com o objetivo de reforçar o vínculo com sua base mais fiel e alimentar a desconfiança em relação às instituições. "A construção do 'mártir' político tem efeitos mobilizadores, sobretudo em contextos de crise de confiança institucional", explica.
"Ainda que esse discurso tenha menos apelo junto a segmentos mais moderados da população, ele tende a manter coeso o núcleo duro de seus apoiadores", acrescenta.
O professor Paulo Baía, sociólogo e docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enxerga um Brasil polarizado atualmente. Neste sentido, "Bolsonaro sensibilizará aqueles que já acreditam em Bolsonaro e vai radicalizar aqueles que são contra Bolsonaro". Evidentemente, aqueles que veem o ex-presidente como vítima e acreditam que nós estamos numa ditadura seguirão "uma narrativa dentro desse espectro dessa polarização calcificada do Brasil".
Como toda vítima tem seu algoz, o especialista também aposta em Moraes e nos demais ministros do STF como alvos de Bolsonaro e dos bolsonaristas.
"Essa radicalização vai aumentar na medida em que o inquérito em que eles são indiciados como réus vai dando continuidade. Portanto, essa estratégia não mudará e ganhará um escopo maior, tanto nacionalmente quanto internacionalmente", avalia.
Fazer do ataque a defesa, como Bolsonaro usou a maior parte do seu tempo nesta tarde ao criticar o sistema eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o atual governo, ao passo que se coloca como vítima é, para Baía, "uma estratégia combinada com seus advogados de defesa que ao mesmo tempo serve para alimentar seus aliados e apoiadores".
Os apoiadores de Bolsonaro seguem mobilizados na causa do ex-presidente. Nas redes sociais, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) afirmou que a história inocentará o ex-chefe de Estado, enquanto o senador Marcos Rogério (PL-RO), aliado de Bolsonaro, classificou a denúncia como "vazia, frágil e teratológica", dizendo também que ela tenta "transformar palavras em crimes, ideias em ameaças".
Já do lado da oposição, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que hoje a "Justiça falou" e chamou a decisão da Corte de "muito significativa". Já o presidente interino do PT, o senador Humberto Costa, afirmou que tornar Bolsonaro réu é "o começo de um processo de justiça e reparação".
Se a mobilização na ala bolsonarista tende a seguir a tônica apontada pelos analistas, sob a ótica do ex-presidente como vítima, do lado da oposição progressista, Baía acredita que a maneira de lidar com o assunto seja "dentro da lógica da polarização, radicalizando a sua posição e se colocando como lado oposto a este, como lado da democracia".
Já Paolino, por sua vez, entende que o governo Lula, inserido em uma frente ampla com espectros ideológicos diversos, deve seguir adotando uma postura de contenção frente à escalada discursiva bolsonarista.
"Embora haja pressão dos movimentos sociais e de setores da esquerda por uma resposta mais contundente — com ênfase na responsabilização jurídica e política dos envolvidos nos atos de 8 de Janeiro —, a orientação institucional do governo tem sido evitar a polarização direta com o ex-presidente e seu grupo. A leitura parece ser de que o protagonismo das instituições, como o STF, deve se sobrepor a uma resposta política direta do Executivo, a fim de preservar a governabilidade. Inclusive o presidente Lula está em viagem institucional ao Japão e outros países asiáticos junto com o atual presidente da Câmara e do Senado", aponta.
Por Sputinik Brasil