Israel quer Síria fragmentada e desprovida de meios militares, diz analista sobre Monte Hermon
Israel capitaliza na transição de governo da Síria, desmantelando a infraestrutura militar e ocupando território de seu país vizinho
Nesta quarta-feira (18), o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu instruiu as forças militares de seu país a permanecer no território de Monte Hermon, na Síria, até pelo menos o fim de 2025, informou a CNN.
Anteriormente, o ministro da Defesa do país, Israel Katz, havia confirmado a visita de Netanyahu ao Monte Hermon. Na ocasião, Netanyahu presidiu à reunião com o comandante do Exército, Herzi Halevi, e com o chefe do serviço de inteligência interna Shin Bet, Ronen Bar.
Reconhecido internacionalmente como território da Síria, o Monte Hermon garante visão estratégica de alvos localizados no Líbano, Síria e Israel. A cerca de 40 quilômetros de Damasco, o monte garantirá que a capital síria fique sob vigilância e alcance da artilharia israelense.
O Monte Hermon é parte da zona desmilitarizada das Colinas do Golã, criada pela ONU após a guerra árabe-israelense de 1973. As forças de Israel mantêm a ocupação das Colinas do Golã desde a Guerra dos Seis Dias de 1967, apesar da resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU ordenar a sua retirada.
"Houve uma invasão terrestre [de Israel] nas regiões das Colinas do Golã pertencentes à Síria, o que configura uma violação grosseira dos acordos de 1974 e uma infração flagrante da soberania e integridade territorial [síria]", disse o representante da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, Vasily Nebenzya, nesta terça-feira (17).
O diplomata russo declarou que, de acordo com suas informações, as forças israelenses não se limitaram a adentrar a zona contestada das Colinas do Golã, mas "avançaram bem mais", chegando a cerca de 20 km da capital síria, Damasco.
"Proponho que chamemos as coisas pelo nome, e não escondamos fatos desconfortáveis ao Ocidente ou a Jerusalém embaixo do tapete", disse Nebenzya. "Se Israel de fato quer manter relações amistosas com os seus vizinhos, deve estabelecê-las não a partir da posição de força, mas a partir de diálogo igualitário e baseado em condições benéficas a todas as partes."
A zona recém ocupada por Israel é patrulhada por uma força da ONU de pouco mais de mil soldados, chamada Força de Observação de Desengajamento das Nações Unidas (UNDOF, na sigla em inglês). Após ter sua zona de jurisdição violada por Israel, autoridades da ONU reagiram.
"A presença de forças militares israelenses na zona de desengajamento é uma violação do acordo de 1974", disse o porta-voz do secretário-geral da ONU, Stephane Dujarric. "Uma ocupação é uma ocupação. Quer dure uma semana, um mês ou um ano, continua sendo uma ocupação."
A recente decisão do governo de Tel Aviv de ampliar os assentamentos israelenses nas Colinas de Golã afasta expectativas de retirada do Monte Hermon no médio prazo. De acordo com o gabinete de Netanyahu, a decisão visa “dobrar a população” na região reconhecida internacionalmente como síria.
Nas últimas semanas, Israel realizou entre 450 e 500 ataques contra a Síria, com o objetivo de eliminar a infraestrutura militar do país. De acordo com Nebenzya, as forças israelenses danificaram significativamente as forças aérea, naval e os sistemas de defesa antimísseis da Síria.
Para o cientista político e professor de Relações Internacionais Bruno Lima Rocha, Israel vê um "momento de oportunidade" para garantir que nenhum governo sírio futuro seja capaz de se opor a Israel.
"Para Israel, não importa se o próximo governo de Damasco será amigável ou não. O que importa é que ele não terá bateria antiaérea, força naval, medicamentos ou instalações de dessalinização de recursos hídricos para sequer reagir a eventuais investidas israelenses", disse Lima Rocha à Sputnik Brasil.
Para o professor de Relações Internacionais Yasser Saleh, a estratégia israelense consiste em instigar divisões sectárias preexistentes na Síria, impedindo a organização de possível resistência à expansão de Tel Aviv sobre seu território.
"Acredito que a ideia seja evitar a centralização e a manutenção de um Estado sírio operante a partir de Damasco", disse Saleh à Sputnik Brasil. "Estão jogando a carta sectária separatista tanto para legitimar a sua entrada [no Monte Heron], como para resolver seus problemas crônicos de falta de população e pessoal para manter sua presença nesse território."
Desprovida de força militar, a Síria seria um vizinho inofensivo para Israel, aos moldes da Jordânia, disse Lima Rocha. O analista lamentou a falta de reação dos demais países árabes frente aos ataques sofridos pela Síria.
"Existe um campeonato entre os países árabes de quem fará a declaração mais dura contra Israel. Mas, infelizmente, o que vemos é que essa batalha fica na retórica, e pouco é feito para de fato conter as ações israelenses", disse Rocha Lima.
No dia 14 de dezembro, líderes de países como Egito, Iraque, Líbano, Catar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos (EAU) se reuniram na Jordânia para debater a transição síria. Os líderes aprovaram uma declaração, patrocinada pela Liga Árabe, pedindo uma nova constituição para Damasco, além do envolvimento direto da ONU na transição síria.
"Não há reação efetiva por parte dos governos regionais e o Eixo da Resistência encontra-se muito enfraquecido", notou Lima Rocha. "Com a presença israelense na Síria, o Hezbollah ficará sem a sua linha logística, o que enfraquecerá ainda mais a atuação do grupo."
No entanto, o desmonte da capacidade de defesa militar e projeção síria abre caminho não só para a atuação de Israel, mas também de outras potências regionais como a Turquia e o Catar. Em 14 de dezembro, a Turquia reabriu sua embaixada em Damasco, após 12 anos de rompimento das relações diplomáticas com a Síria. O Catar também anunciou a reabertura da sua representação diplomática, informou o Security Council Report.
"A influência da Turquia na Síria hoje é incontestável, mas não vimos Ancara tomar medidas para proteger a população local nesse momento de transição", notou Lima Rocha. "Não houve a decretação de zona de exclusão aérea, nem interrupção dos confrontos com os curdos no norte do país."
O professor Saleh nota que os países árabes já estão divididos quando o assunto é Síria, com grupos mais próximos à posição de Turquia e Catar se opondo à visão de países como EAU. Segundo ele, o fiel da balança poderá ser a Arábia Saudita, que ainda mantém sua posição sobre o contexto sírio longe dos holofotes.
Perigo de fragmentação
A convivência secular entre diversos grupos étnicos e religiosos na Síria pode estar em jogo, dada a confluência de fatores como colapso social, influência de atores externos e interesses regionais díspares.
"A integridade territorial desse país hoje está mais frágil do que nunca", alertou o representante da Rússia no Conselho de Segurança Nebenzya. "Existe um risco real de cantonização da Síria, dividindo-se por linhas étnico-religiosas."
Especialistas notam o exemplo da Líbia que, após operação liderada pela OTAN para retirar do poder o líder Muammar Kadhafi, se fragmentou em diversas zonas, com forte influência do capital estrangeiro em cada uma delas.
"Acredito ser possível uma fragmentação ao estilo líbio, principalmente pelo potencial das forças sectárias na Síria", declarou Lima Rocha. "Outro modelo possível de se repetir na Síria é o da fragmentação iraquiana, após a invasão dos EUA."
Para Saleh, a situação de Damasco é ainda mais frágil do que a da Líbia, dado o maior número de países com interesses diretos na Síria. Adiciona-se à complexidade do caso líbio a influência de atores como Israel, Irã e os grupos do Eixo da Resistência na Síria.
"A centralização do Estado sírio é desafiadora, em função do baixo controle que Damasco exerce sobre as demais regiões atualmente", disse Saleh. "Nem todos os governos locais reconhecem a transição de governo. Além disso, hoje Damasco controla área menor do que controlava o governo de Bashar al-Assad."
Segundo o professor Saleh, "é impossível dizer que o governo de Damasco exerce sua autoridade sobre o país, e essa será uma tarefa muito difícil de ser concluída".
"Damasco não terá condições de governar o país sem um acordo amplo com as forças regionais e uma espécie de aval de forças externas", avalizou Lima Rocha. "Será necessário um acordo político nacional, o aceite internacional e fontes de financiamento para reconstruir o Estado e receber de volta milhões de refugiados."
De fato, a obtenção de recursos é essencial para a Síria manter a estabilidade social. De acordo com o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) da ONU, desde 27 de novembro deste ano, quase 1,1 milhão de pessoas foram deslocadas no território sírio em função das renovadas hostilidades, em sua maioria mulheres e crianças.
Nesse contexto, o representante da Rússia na ONU Nebenzya pediu a retirada das sanções econômicas impostas contra a Síria, que inviabilizam a recepção de ajuda financeira e humanitária, castigando a população local.
"As sanções devem ser retiradas porque, como sempre dissemos, elas atingem os cidadãos comuns", disse o diplomata russo durante reunião do Conselho de Segurança da ONU nesta terça-feira (17). "De nossa parte, continuaremos a prestar assistência ao nosso irmão povo sírio."
Segundo Saleh, o Ocidente é reticente quanto à retirada das sanções impostas contra a Síria, o que impede o governo de realizar empréstimos para financiar a reconstrução do país. Para ele, a perspectiva de retirada de sanções ainda é remota.
"Acho que temos que ter cautela em relação ao processo de transição na Síria porque, por enquanto, os sinais não apontam para um desfecho positivo", concluiu Lima Rocha.
Por Sputinik Brasil