COMÉRCIO EXTERIOR

'Nova Rota da Seda informal': China pode turbinar o PAC e as Rotas de Integração Sul-Americana

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialista destaca que os investimentos chineses em infraestrutura podem contribuir para o projeto de integração sul-americana do governo federal e ter um efeito desencadeador no processo de reindustrialização do Brasil.

Publicado em 09/12/2024 às 19:14
© Foto / Ricardo Stuckert / Presidência da República

O governo federal lançou recentemente, por meio do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), o projeto Rotas de Integração Sul-Americana, que cria cinco rotas ao longo de 11 estados brasileiros, conectando a países vizinhos da América do Sul.

As rotas previstas são:

No anúncio de lançamento, o MPO afirma que o programa visa aumentar o comércio com países vizinhos, o que traz a necessidade de rotas mais curtas e menos custosas, além de facilitar o escoamento das exportações brasileiras para mercados emergentes do Pacífico.

No relatório do projeto, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, afirmou que o programa permitirá "avanços sociais inestimáveis à população brasileira e aos povos vizinhos de nosso continente", e ressaltou que existem 190 obras de infraestrutura presentes no Novo PAC, que possuem caráter de integração, espalhadas nos 11 estados.

Ela destacou ainda a importância e os benefícios de fomentar as transações entre países sul-americanos e caribenhos.

"Os dados são reveladores: enquanto os países europeus transacionam entre si 68% dos bens e os asiáticos quase 60%, nós, sul-americanos e caribenhos, transacionamos apenas 14% dos bens entre nós. A integração pode e deve aumentar esse indicador. São bens agrícolas, minerais e industriais [brasileiros] que podem encontrar nos vizinhos um mercado ávido", escreveu a ministra.

A integração sul-americana é uma prioridade para o Brasil desde a Cúpula de Brasília de 2000, quando foi lançada a Integração Regional Sul-Americana (IIRSA), que posteriormente foi incorporada ao Conselho de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN), da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).

É o que destaca, em entrevista à Sputnik Brasil, Diego Pautasso, doutor em relações internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autor do livro "A China e a Nova Rota da Seda".

Ele afirma que os projetos de integração foram descontinuados em função de fatores internos do Brasil, como a operação Lava Jato, os ataques ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), crises institucionais e também pela fragmentação e divergência política na América do Sul.

"O que o governo está fazendo com as Rotas de Integração Sul-Americana é voltar a dar centralidade ao projeto de integração regional sem o qual as demais dinâmicas comerciais, investimento e a própria liderança brasileira ficariam limitadas. Então, eu creio que esse é um projeto absolutamente determinante. É fundamental que o Brasil recupere a capacidade de liderar. Para isso precisa ter capacidade de financiamento, precisa ter o BNDES, precisa ter um projeto para a integração sul-americana", afirma.

Pautasso acrescenta que, além da retomada de projetos de integração regional por si só, é crucial que o país acesse a bacia do Pacífico, através da costa latino-americana do Pacífico, sobretudo por meio de Chile e Peru.

Para isso, poderia contar com investimentos da China por meio das sinergias entre as múltiplas iniciativas sino-brasileiras, que incluem o Novo PAC.

"A China pode turbinar o PAC, turbinar as Rotas da Integração Sul-Americana com esses acordos [de sinergia] que o Brasil fez, que eu tenho chamado de uma 'nova rota da seda informal'", frisa o especialista.

O analista observa que a integração sul-americana resulta em comércio, investimento, acesso a mercados do Pacífico e no protagonismo da liderança brasileira. Além disso, se bem planejado e articulado com políticas de desenvolvimento, o investimento em infraestrutura teria um efeito desencadeador no processo de reindustrialização, "que é imperativo no Brasil e que também tem um programa muito interessante que pode ser elemento de articulação com os investimentos chineses, que é o Nova Indústria Brasil".

"Então, vejamos, um grande investimento, um programa ferroviário, tem um grande efeito sobre a indústria metalúrgica e demais segmentos industriais relacionados a esse tipo de setor, de implemento ferroviário de transporte. Nesse sentido, o Brasil deveria, sim, articular os investimentos chineses ao PAC, à Rota da Integração Sul-Americana e à Nova Indústria Brasil."

Ele afirma que a questão do financiamento "é absolutamente determinante ao desenvolvimento", destacando que, no atual momento, o governo se encontra constrangido pelo marco fiscal herdado da lei do teto de gastos, que, segundo ele, embora flexibilizado pelo arcabouço fiscal, ainda é bastante limitado.

Pautasso aponta que uma parte do orçamento foi capturada pelo Congresso por meio de emendas PIX, orçamento secreto, entre outras coisas, "o que limita muito a capacidade de o governo brasileiro investir". Nesse contexto, o papel dos bancos multilaterais se torna essencial.

"O fortalecimento do BNDES, o apoio de bancos multilaterais, como o banco do BRICS [Novo Banco de Desenvolvimento], o Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura e os próprios bancos chineses e os fundos que os chineses têm colocado à disposição são e serão determinantes para que esses programas que o Brasil anunciou, como o PAC, a Rota da Integração Sul-Americana, recebam os investimentos compatíveis com a sua abrangência e com a necessidade não só de revitalizar a infraestrutura e a logística do Brasil, como de impulsionar o desenvolvimento, a integração territorial e a reindustrialização."

Projeto também mira a bioceanidade

O projeto Rotas de Integração Sul-Americana é resultado de um trabalho conduzido pela ministra Simone Tebet, no Ministério do Planejamento, que tem a dupla finalidade de promover a retomada do comércio do Brasil com os países vizinhos e, ao mesmo tempo, no médio prazo, criar condições para a bioceanidade, que é a conexão do Oceano Atlântico com o Oceano Pacífico.

É o que aponta Luciano Wexell Severo, economista, doutor em economia política internacional, professor da UNILA desde 2011, e atual subsecretário de Articulação Institucional do Ministério do Planejamento e Orçamento, como coordenador do projeto Rotas de Integração Sul-Americana.

"Atualmente, o comércio do Brasil com os vizinhos é cerca de 13% do comércio do Brasil com o mundo, ou seja, ele é baixo e há um interesse muito grande de estimular o crescimento. Uma das formas é criar vias, sejam rodoviárias, ferroviárias ou hidroviárias, para estimular essas relações", afirma Severo.

Ele ressalta que o MPO mapeou 190 projetos que já estão incluídos no Novo PAC e que têm impacto sobre a integração regional, como rodovias, hidrovias, ferrovias, portos, aeroportos, linhas de transmissão elétrica e redes de fibra ótica, que ligam o Brasil com os demais países da América do Sul e têm uma presença muito grande na região próxima das fronteiras dos 11 estados brasileiros que fazem fronteira com os países vizinhos.

"Nós entendemos que a participação dos capitais chineses nesse processo pode servir de estímulo para a execução dessas obras, para a conclusão dessas iniciativas."

Severo acrescenta que, dos 190 projetos, um terço já tem recursos garantidos pela Lei Orçamentária Anual (LOA24) e pelo Projeto de Lei Orçamentária Anual 2025 (PLOA25).

"Outra parte dos recursos desses projetos virá ou de empresas estatais ou de fundos públicos, mas tem uma parte que vai depender de concessões e do investimento privado. Então, há uma grande expectativa que o capital chinês possa contribuir com a realização dessas obras", explica.

Severo enfatiza que atualmente, quando se pensa na reindustrialização ou no esforço de deter a desindustrialização brasileira vigente nas últimas décadas e também a reprimarização da pauta de exportações, quando se pensa nesse esforço industrializador, "a gente olha diretamente para América do Sul", pois é na região que o Brasil "tem condições de realizar a faceta mais dinâmica da economia brasileira, que é a indústria".

"É para América do Sul que o Brasil destina hoje cerca de um terço do total de bens industrializados de média ou de média a alta intensidade tecnológica."

Ele lembra que hoje o Brasil "vende mais para o Chile do que para a Espanha, vende mais para a Colômbia do que para Portugal, vende mais para o Paraguai do que para o Reino Unido e vende mais para o Peru ou para o Uruguai do que para a França", o que explica a importância da integração regional.

"Com o tempo, com o desenvolvimento tecnológico, será possível colocar muitos produtos, inclusive do agro brasileiro, mas também muitos da indústria de transformação, nos países do Pacífico."

Ele afirma ainda que o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia cria condições também para que os países da América do Sul, que não têm acesso ao Atlântico e que agora com a bioceanidade poderão tê-lo, tenham muito interesse nisso.

"A ministra Simone Tebet esteve em vários países vizinhos, foi aos estados de fronteira, esse trabalho do Ministério do Planejamento foi feito com uma escuta ativa muito presente dos estados brasileiros e também dos países vizinhos e a ministra levou esse projeto, inclusive, para a China [...] ela também esteve na Arábia Saudita, em reuniões com investidores, com a finalidade de buscar recursos para financiamento, sobretudo de projetos ferroviários que pudessem fortalecer esse modal de transporte dentro do Brasil e estender as linhas que já existem ou que estão em planejamento até os nossos países vizinhos e, eventualmente, chegando ao Pacífico. Aí sim, com a possibilidade de ferrovia, uma ampla gama de produtos pode ser incorporada na lista, porque o modal ferroviário possibilita que muito mais produtos sejam viáveis de cruzar cordilheiras e de chegar no Oceano Pacífico. Então, daí a importância do capital chinês", conclui.


Por Sputinik Brasil