TARIFAS

Ameaça de Trump de impor tarifas aos BRICS explodiria na cara dos EUA; entenda o porquê

O recém-eleito presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçou impor aos membros do BRICS uma taxa de importação de 100% se o grupo tentar criar sua própria unidade monetária ou "substituir o poderoso dólar"

Publicado em 01/12/2024 às 15:03
© AP Photo / Jacquelyn Martin

Com um histórico de altas tarifas direcionados tanto a seus aliados quanto a adversários em seu primeiro mandato, Trump insinua planos de repetir a política ao convocar seu ex-czar do comércio Robert Lighthizer para retornar ao trabalho em 20 de janeiro de 2025, quando assume a presidência.

"A ideia de que os países do BRICS estão tentando se afastar do dólar enquanto ficamos parados e assistimos ACABOU [sic]", escreveu Donald Trump em uma publicação em sua própria rede social, Truth Social, descrevendo seus planos para restabelecer a primazia econômica global dos EUA após assumir o cargo no mês que vem.

"Exigimos um compromisso desses países de que eles não criarão uma nova moeda BRICS, nem apoiarão nenhuma outra moeda para substituir o poderoso dólar americano, ou enfrentarão tarifas de 100% e dirão adeus às vendas para a maravilhosa economia dos EUA. Eles podem ir encontrar outro 'otário!' Não há chance de que o BRICS substitua o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tente deve dar adeus à América", alertou Trump.

A ameaça de Trump de "tarifas de 100%" contra o BRICS é sua observação intimidadora mais abrangente relacionada ao comércio até agora, visando um bloco econômico que responde por cerca de 35% da atividade econômica global em termos paridade de poder de compra e mais de 40% da população do planeta.

Segundo o senador russo Aleksei Pushkov, as ameaças do novo presidente estadunidense são bravatas políticas e não são viáveis na prática. O BRICS, lembra o senador, tampouco rejeitam o uso do dólar no comércio com outros países.

"Donald Trump se caracteriza por fingir que tudo pode ser resolvido com um passo decisivo, uma conversa ou um ultimato. E neste caso ele pareceu superdecisivo: ele ameaça impor tarifas de 100% sobre mercadorias dos países do BRICS se eles rejeitarem o dólar. No entanto, esta medida é de natureza declarativa e na prática é irrealizável."

Só que os EUA são fortemente dependentes dos BRICS economicamente e se Donald Trump pensa pode ameaçar e persuadir o bloco a se submeter, ele logo se deparará com a dura realidade, diz à Sputnik o renomado economista britânico e cofundador do Movimento pela Justiça Global, Rodney Shakespeare.

"Trump acha que pode mirar nos países BRICS individualmente, mas fazer isso fará com que os BRICS respondam coletivamente. Então a situação é sobre quem tem o maior comércio geral, população e recursos", explicou Shakespeare, que agora leciona como pesquisador visitante na Universidade Trisakti da Indonésia.

"O pensamento de Trump é fundamentalmente baseado em uma situação de hegemonia passada cujo tempo está passando rapidamente."

Como seria a guerra comercial EUA-BRICS?

Os Estados Unidos têm um déficit comercial de quase US$ 433,5 bilhões (R$ 2,589 trilhões) com os países membros do BRICS. Nenhum dos países parceiros do BRICS e candidatos à adesão —mais de 50 países no total — tem grandes déficits comerciais com os EUA, enquanto vários ostentam grandes superávits. O potencial parceiro Vietnã sozinho teve um superávit de US$ 109 bilhões (R$ 651 bilhões) em 2023.

Os EUA dependem do BRICS para uma ampla gama de produtos físicos, de produtos domésticos, máquinas e equipamentos elétricos a produtos farmacêuticos e equipamentos médicos, energia, produtos químicos e minerais de terras raras, com o BRICS respondendo por entre 40% e 70% da produção desses bens e materiais.

Em comparação, as principais exportações físicas dos EUA (armas, petróleo, alimentos e automóveis) podem ser encontrados em diversos países, especialmente entre os membros do BRICS.

Já bens etéreos, como serviços e propriedade intelectual — que representaram US$ 1,1 trilhão (R$ 6,57 trilhão) em exportações dos EUA em 2023 — como franquias, design, gestão, consultoria, serviços financeiros e de assessoria, patentes, marcas registradas, software e arte, podem ser gradualmente substituídos por alternativas domésticas.

Como moeda de reserva mundial de fato, o dólar em si tem sido uma grande exportação americana há muito tempo, com países estrangeiros possuindo cerca de US$ 7,6 trilhões em títulos do Tesouro dos EUA, e dólares respondendo por cerca de 54% do comércio global.

Contudo, dentro do comércio intra-BRICS, 65% das trocas agora são liquidadas em moedas locais.

Tudo isso significa que se Trump der sinal verde para as tarifas de 100% no bloco BRICS, "haveria enormes aumentos no [preço dos] produtos de consumo importados dos EUA", disse o Shakespeare.

"Trump espera que a indústria americana então se recupere o suficiente para produzir os mesmos produtos a um custo mais barato. Isso pode acontecer, exceto que as novas fábricas não produzirão um grande número de empregos: elas serão quase automatizadas."

"Já que o poder econômico está se afastando dos EUA", se os EUA prosseguirem com uma grande guerra comercial, contra os países BRICS coletivamente ou mesmo os principais membros do bloco individualmente, "pode ​​ser uma guerra que os EUA perderão", alertou o economista veterano.

Se Trump cumprisse suas ameaças, isso aceleraria a desdolarização, aceleraria os esforços globais para reduzir a dependência das principais exportações dos EUA e rapidamente levaria uma nação que passou décadas trocando moedas verdes por bens físicos reais à beira da ruína econômica.

Por Sputinik Brasil