PANORAMA INTERNACIONAL

'Não há defesa contra o Oreshnik': analistas avaliam a resposta russa à escalada de Biden na Ucrânia

Por Sputinik Brasil Publicado em 29/11/2024 às 10:36
© Sputnik / Ministério da Defesa da Rússia

Presidente Vladimir Putin forneceu detalhes sobre o uso do míssil russo Oreshnik, em resposta ao uso de armas americanas e britânicas no território da Rússia. Por estar ciente de sua vantagem no campo de batalha, Rússia mostrou comedimento frente à escalada provocada pela OTAN na Ucrânia, disse especialista militar ouvido pela Sputnik Brasil.

Nesta quinta-feira (28), o presidente da Rússia, Vladimir Putin, informou que os centros de tomada de decisões em Kiev poderão ser alvo de mísseis Oreshnik, em caso de novos ataques com armas ocidentais ATACMS e Storm Shadow em território russo.

Durante discurso proferido no Conselho de Segurança Coletiva da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), Vladimir Putin forneceu detalhes sobre sua resposta à escalada provocada pela decisão da Casa Branca de permitir o uso de armamentos ocidentais contra o território russo.

"Neste momento, o Ministério da Defesa e o Estado-Maior das Forças Armadas russas avaliam os alvos potenciais no território da Ucrânia. Dentre eles, instalações militares, plantas industriais do setor de defesa ou centros de tomada de decisões em Kiev", declarou Vladimir Putin. "O regime de Kiev já fez repetidas tentativas de atingir órgãos estatais críticos da Rússia em São Petersburgo e Moscou, e essas tentativas continuam."

O presidente russo ainda notou que todos os mísseis ocidentais fornecidos a Kiev têm análogos mais potentes e com maior alcance nas Forças Armadas russas. Sistemas da classe Iskander superam as capacidades dos norte-americanos ATACMS, enquanto os mísseis russos da classe Kh-101 têm maior alcance do que os europeus Storm Shadow, Scalp e Taurus.

O presidente russo, Vladimir Putin, durante reunião do Conselho de Segurança Coletiva da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO) em Astana, Cazaquistão, 28 de novembro de 2024.
O presidente russo, Vladimir Putin, durante reunião do Conselho de Segurança Coletiva da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO) em Astana, Cazaquistão, 28 de novembro de 2024.

"Não nos esqueçamos dos sistemas de mísseis hipersônicos Kalibr, Kinzhal e Tsirkon, que têm características inigualáveis no mundo, cuja produção está sendo incrementada e bem encaminhada", informou o presidente russo.

A liderança russa optou por utilizar os novos mísseis Oreshnik para providenciar uma resposta à altura da decisão sem precedentes da administração Biden de permitir o uso de armas norte-americanas dentro do território de uma potência nuclear, no caso, a Rússia.

"Esses ataques [com os mísseis Oreshnik] foram realizados como resposta aos incessantes ataques ao território russo por mísseis ATACMS dos EUA. Da nossa parte, sempre haverá resposta", disse o presidente russo. "Fomos impelidos a realizar o teste no campo de batalha – enfatizo, impelidos – em resposta aos ataques realizados com armamentos ocidentais ATACMS e Storm Shadow nas regiões de Bryansk e Kursk."

Os mísseis balísticos Oreshnik atingem velocidade de até Mach 10 (cerca de três quilômetros por segundo), sendo capazes de atingir alvos a até 5.500 quilômetros de distância. Apesar de poderem carregar ogivas nucleares de até uma tonelada e meia, o teste realizado em 21 de novembro contra o território ucraniano não incluiu elementos radioativos.

Um sistema de lançador múltiplo de foguetes Grad das Forças Armadas russas, durante a operação militar especial, em 27 de novembro de 2024
Um sistema de lançador múltiplo de foguetes Grad das Forças Armadas russas, durante a operação militar especial, em 27 de novembro de 2024

"A temperatura dos elementos de impacto [do Oreshnik] atinge 4 mil graus. Se minha memória não falha, a temperatura na superfície solar varia entre 5,5 mil e 6 mil graus. Por isso, tudo o que se encontra no epicentro da explosão se fragmenta em partes elementares, isto é, vira pó", disse Vladimir Putin. "De acordo com especialistas técnicos e militares, no caso de uso massivo e combinado destes mísseis [Oreshnik] a potência desse ataque seria similar à do uso de armas nucleares."

Apesar de suas capacidades, o Oreshnik não é caracterizado como uma arma de destruição em massa, mas sim como um míssil de alta precisão. De acordo com o professor convidado do Instituto Nórdico de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Estocolmo e doutorando da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) Erik Andrade, a velocidade do Oreshnik dificulta sobremaneira a sua interceptação.

"Interceptar ou neutralizar este tipo de míssil é extremamente difícil, [...] e a velocidade do míssil é crucial. Grosso modo, quanto mais rápido o míssil viaja, mais rápido chega ao alvo. Quanto mais rápido chega ao alvo, menor é o tempo de reação das baterias antiaéreas", disse Andrade à Sputnik Brasil. "O novo míssil russo pode ser lançado com uma ogiva única, projetada para destruir instalações reforçadas e estruturas maiores, bem como pode ser lançado com ogivas de fragmentação que, quando disparadas, liberam pequenas unidades de orientação individual."

Em sua versão de fragmentação, os mísseis Oreshnik poderão atingir "unidades blindadas mais leves em uma ampla área, podendo incluir unidades aéreas estacionadas, defesas aéreas ou até mesmo tropas". Segundo o especialista, o Brasil não possui mísseis balísticos, mas desenvolve o seu Míssil Tático de Cruzeiro AV-TM300.

O presidente russo, Vladimir Putin, durante a cerimônia de assinatura de documentos conjuntos em Astana, Cazaquistão, 27 de novembro de 2024
O presidente russo, Vladimir Putin, durante a cerimônia de assinatura de documentos conjuntos em Astana, Cazaquistão, 27 de novembro de 2024

"A nova munição seria lançada a partir da plataforma de lançamento do Sistema Astros, também de produção brasileira, com a capacidade de transportar cerca de 200 kg de carga bélica a uma distância de até 300 km com precisão de até 30 metros", disse Andrade. "Ademais, é importante ressaltar que existe o interesse em expandir a capacidade de alcance do MTC, aumentando seu raio para entorno de 500 km a 1.000 km."

De acordo com o especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, comandante Robinson Farinazzo, a Rússia passou a desenvolver os mísseis de Oreshnik em resposta à retirada unilateral dos EUA do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, que previa a eliminação de mísseis balísticos e de cruzeiro de base terrestre.

"Caso o Tratado INF, que o [então presidente dos EUA] Donald Trump rasgou em 2019, estivesse valendo, a Rússia não teria os mísseis Oreshnik", disse Farinazzo à Sputnik Brasil. "Não há atualmente defesa contra esses mísseis e, mesmo que tentem abatê-los, será necessário usar uma quantidade enorme de mísseis ultrassofisticados de defesa aérea, como os [norte-americanos] SM-3, com um custo altíssimo e baixa possibilidade de sucesso."

Para Farinazzo, o uso de mísseis norte-americanos, ingleses e franceses em território russo demonstra que a OTAN "está empenhada em uma séria escalada" no conflito ucraniano, dificultando a possibilidade de negociações de paz.

Militar russo opera unidade de artilharia autopropulsada 2S7M Malka, durante a operação militar especial, em 26 de novembro de 2024
Militar russo opera unidade de artilharia autopropulsada 2S7M Malka, durante a operação militar especial, em 26 de novembro de 2024

"Estamos vivendo um momento bastante perigoso. A administração Biden ter tomado uma atitude como essa com menos de 40 dias de mandato, indo contra a política do presidente eleito dos EUA, me parece algo esquizofrênico", declarou Farinazzo. "A sorte é que vemos a Rússia com a cabeça fria, que sabe que já ganhou o conflito em terra, então estão sendo comedidos."

Além da ameaça de escalada por parte da OTAN, grupos dentro da administração Zelensky também podem tomar medidas drásticas frente ao recuo das Forças Armadas ucranianas. No entanto, o uso de ATACMS, Storm Shadows e Scalps não poderão garantir uma vantagem para a Ucrânia no campo de batalha.

"Tecnicamente, isso não será possível, em função da depauperação do Exército ucraniano, que se encontra em uma situação muito difícil", considerou Farinazzo. "As forças da Ucrânia hoje estão como o Exército alemão estava em 1945, a ponto de perder a Segunda Guerra Mundial."

A Rússia, por outro lado, acumulou reservas estratégicas e possui armamentos suficientes para manter a sua posição no campo de batalha. Durante seu discurso nesta quinta-feira (28), o presidente russo a revelou que a produção russa dos mísseis citados no discurso é dez vezes superior à produção combinada de todos os países da OTAN. “E no ano que vem vamos aumentar essa produção em 25% a 30%”, anunciou Putin.

Um militar do agrupamento de tropas Tsentr (Centro) junto de um sistema de defesa aérea BUK-M2 na direção de Krasnoarmeysk, na zona da operação militar especial.
Um militar do agrupamento de tropas Tsentr (Centro) junto de um sistema de defesa aérea BUK-M2 na direção de Krasnoarmeysk, na zona da operação militar especial.

“Os russos mantêm uma reserva grande, tanto para não serem pegos desprevenidos em caso de escalada, quanto para se manterem nesse conflito na Ucrânia, que é uma guerra de atrito. Não é uma batalha que você ganha por nocaute, mas sim por pontos”, explicou o comandante Farinazzo.

A estratégia utilizada pela Rússia para avançar no terreno é focada no uso de artilharia, e não necessariamente demanda o uso de equipamentos sofisticados como o Oreshnik. Neste sentido, o teste do Oreshnik foi uma sinalização para a OTAN, e não uma demanda do campo de batalha.

“O uso do Oreshnik é uma resposta ao envolvimento direto dos EUA no conflito, porque ninguém é ingênuo de achar que os ucranianos podem operar mísseis como os ATACMS sozinhos. Os EUA estão se fazendo de Tiradentes, com o pescoço da Ucrânia na forca”, concluiu o especialista.