BRICS terá poder de fogo contra o dólar após adesão de Indonésia, Malásia e Tailândia, diz analista
Ministério das Relações Exteriores da Rússia confirma a entrada de Indonésia, Malásia e Tailândia no BRICS, consolidando a presença do Sudeste Asiático no bloco. A entrada dessas economias fortes, com experiência em desdolarização, aumenta a capacidade do BRICS de superar a hegemonia do dólar, acreditam especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
Novos países anunciaram sua adesão aos BRICS como membros parceiros do bloco, ampliando a representatividade do grupo na região da Ásia-Pacífico. Indonésia, Malásia e Tailândia aceitaram o convite para aderir ao grupo, conforme informou o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Aleksandr Pankin.
"Nossos colegas de [...] Indonésia, Malásia e Tailândia tornaram-se parceiros do BRICS", anunciou o diplomata russo. "A cúpula do BRICS em Kazan demonstrou a aspiração da maioria global de estabelecer uma ordem mundial justa, de reformar as instituições globais e construir laços econômicos equitativos. Um sólido pacote de acordos foi concluído nas áreas de comércio, investimento, inteligência artificial, energia e clima, e logística."
O embaixador da Indonésia na Rússia, Jose Antonio Morato Tavares, comemorou a adesão de seu país ao grupo e se comprometeu a "contribuir para qualquer esforço do BRICS", informou a Gazeta Russa.
"Agora já somos um país parceiro do BRICS", disse o embaixador indonésio Morato Tavares. "Os benefícios do status significam que podemos participar das reuniões do BRICS, é claro, não como membro, mas como parceiro, de acordo com os critérios pré-determinados pelos países do BRICS."
Durante a mais recente Cúpula de Chefes de Estado do BRICS, realizada na cidade russa de Kazan entre 22 e 24 de outubro, países como Argélia, Belarus, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Nigéria, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã também foram convidados para integrar o BRICS como países parceiros.
Para o analista de geopolítica e colunista do jornal Brasil de Fato Marco Fernandes, a criação da categoria de países parceiros do BRICS foi uma solução bem-sucedida para acomodar os diversos pedidos de adesão ao bloco.
"Com a categoria de países parceiros, o BRICS aproveita essa onda favorável de países desejosos de aderir ao grupo, ao mesmo tempo que garante maior estabilidade para os trabalhos à associação", disse Fernandes. "E quanto mais países fizerem parte dos BRICS, maior o poder de fogo do grupo para acelerar agendas como a reforma da governança global. Precisamos de países dispostos a implementar projetos ambiciosos."
O analista nota que, caso todos os países convidados se tornem países parceiros do grupo, o BRICS representará mais de 40% do PIB mundial em paridade de poder de compra, comparado à participação de somente 29% dos países do G7 – grupo que reúne as principais economias do Ocidente coletivo.
"Dessa forma, o BRICS terá uma rede de países com economias sólidas, com capacidade para fazer com que projetos como a desdolarização decolem", acredita Fernandes. "Poderemos implementar iniciativas como a bolsa de grãos dos BRICS, substituindo a bolsa de Chicago, realizar trocas em moedas locais e consolidar um golpe na hegemonia do dólar."
Para o doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e analista de relações internacionais Diego Pautasso, Indonésia, Tailândia e Malásia não querem ficar de fora de projetos capitaneados pelo BRICS.
"Esses países também são motivados por uma possível entrada futura no BRICS como membros plenos", disse Pautasso à Sputnik Brasil. "Por exemplo, na Organização para a Cooperação de Xangai muitos países que entraram como observadores puderam elevar o seu status e foram convidados para se tornar membros plenos."
O Brasil tem muito a ganhar com a nova configuração do bloco, apesar de ter expressado reservas quanto à expansão do BRICS. De acordo com Pautasso, a diplomacia brasileira teme a redução da influência brasileira no bloco e manifestou cautela quanto à continuidade da expansão do BRICS.
"Na minha opinião, a expansão potencializa a posição do Brasil como membro do núcleo constitutivo dos BRICS. Dessa forma, o Brasil poderá projetar a sua liderança", acredita Pautasso. "A presidência do Brasil nos BRICS em 2025 será uma oportunidade para o Itamaraty perceber a relevância de lidar com um grupo maior, formado por países representativos em suas regiões."
ASEAN desembarca no BRICS
A entrada de Indonésia, Malásia e Tailândia permitirá maior coordenação entre o BRICS e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), um dos mais bem-sucedidos projetos de integração regional da atualidade. Na ASEAN, Indonésia, Malásia e Tailândia já participam de iniciativas em prol da desdolarização econômica, relata Fernandes.
"Esses países trazem experiências importantes para o bloco, tendo em vista os debates e os objetivos dos BRICS", disse Fernandes. "Vamos lembrar que os países da ASEAN estão entre os países que mais cresceram economicamente na última década, sobretudo beneficiados pela interação com a economia chinesa."
Segundo o analista, os países do Sudeste Asiático implementam políticas de industrialização robustas e possuem altas taxas de crescimento do PIB per capita. "A Malásia cresceu 3,5% em média na última década, entre 2012 e 2022, enquanto a média da Indonésia é de 3,1%", números bastante positivos.
"A ASEAN se comprometeu a acelerar o comércio em moedas locais no interior da associação e já desenvolvem um sistema de pagamento utilizando QR code", disse Fernandes. "Indonésia, Tailândia e Malásia já utilizam esse sistema de pagamentos da ASEAN, o que vai diminuir muito a demanda por dólar na região."
Influência da Casa Branca
O avanço da agenda de desdolarização será alvo da nova administração Donald Trump na Casa Branca. Durante sua campanha presidencial, Trump prometeu punir países que abandonem o dólar, impondo sanções ou "tarifas de até 100% em seus produtos".
"Essa ameaça de Trump contra países que agirem pela desdolarização poderá gerar cautela, ou até medo, por parte do Brasil durante a sua presidência dos BRICS em 2025", acredita Pautasso. "Realmente, esse rojão de avançar com a desdolarização durante uma administração Trump vai cair no colo do Brasil. Será um desafio interessante."
Por outro lado, a maior agressividade ocidental sob Trump poderá levar os países do Sul Global interessados na cooperação internacional a buscar outras plataformas nas quais interagir de maneira autônoma, acredita Fernandes.
"Acredito que Trump na Casa Branca pode significar, por reação, um aumento da unidade dos BRICS", disse Fernandes. "Atualmente, um terço dos países do mundo já sofre algum tipo de sanção dos EUA e da Europa. E esse aumento na agressividade ocidental cria uma reação, primeiro, de preocupação dos países do Sul Global e, no segundo momento, de necessidade de criação de alternativas e de fortalecimento da sua unidade."
O Brasil assume a presidência do BRICS para o ano de 2025 com o lema “Fortalecimento da Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”. De acordo com discurso do presidente Lula durante a Cúpula de Chefes de Estado do BRICS em Kazan, a presidência brasileira focará em temas como combate à desigualdade, mudanças climáticas e desdolarização. Em função da organização brasileira da 30º Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-30) em Belém do Pará, o Itamaraty prevê a celebração da próxima Cúpula de Chefes de Estado do BRICS ainda no primeiro semestre de 2025.
Por Sputinik Brasil