PARCERIA

Afinidade entre agendas: parceria 'ganha-ganha' sino-brasileira avança e fortalece multilateralismo

Com um saldo de 37 acordos em diversas áreas, o presidente da República Popular da China, Xi Jinping, e seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, estreitaram ainda mais a cooperação e parcerias entre os dois países.

Publicado em 20/11/2024 às 17:58
© Foto / Ricardo Stuckert / PPR

Analistas políticos com especialidade nas relações sino-brasileiras ouvidos pela Sputnik Brasil interpretaram os resultados da visita como algo mutuamente benéfico, na lógica do "ganha-ganha", em que o multilateralismo, principalmente, sai ganhando.

Cientista político, professor de relações internacionais e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha, Maurício Santoro destacou a sintonia de objetivos de política internacional rumo a um mundo mais multipolar, como a defesa da reforma das instituições globais para beneficiar países do Sul Global.

"Há uma afinidade muito grande entre as agendas globais dos presidentes Lula e Xi Jinping, sobretudo no que diz respeito à defesa das instituições multilaterais internacionais", afirmou ele.

Jurista, editor da Autonomia Literária e analista geopolítico, Hugo Albuquerque argumentou que as duas nações criaram uma dinâmica complementar, que ainda não alcançou sua totalidade devido a entraves como a dolarização das transações comerciais.

"Uma relação direta entre Brasil e China, em todos os sentidos, ela tem um peso enorme. Como teria com o Brasil e a Rússia também, e, evidentemente, que uma aproximação do Brasil e a China contribui para relações desse mesmo tipo com outros países, grandes, médios e pequenos, para que os Estados Unidos deixem de ser, além de uma grandeza em si, a régua do mundo", ponderou.

O fortalecimento da relação bilateral brasileira-chinesa, nesse sentido, gera "precedente para demais relações pelo mundo", salientou o jurista, ao citar o grupo do BRICS como um "embrião" desse rearranjo na geopolítica mundial:

"BRICS é naturalmente como um embrião de um outro mundo possível, que não seja aquele mundo comandado pelas potências imperialistas do século XIX, nos vários arranjos que o sistema teve antes da Primeira Guerra, depois da Segunda Guerra, depois da Guerra Fria. É a possibilidade de um mundo diferente dessa ordem que é opressora, vertical, brutal. O BRICS é um embrião desse outro mundo que pode ser possível e a relação sino-brasileira é fundamental nesse sentido".

O editor da Autonomia Literária alertou, porém, que O Brasil precisa recalibrar seu modelo de desenvolvimento e construir estruturas públicas e semipúblicas para qualificar a relação com a economia globalizada, como fez a China para não perder o controle da própria economia.

"Me filio entre aqueles que defendem uma reestruturação, mas no sentido público, da gestão da nossa economia, porque só isso vai permitir a gente colher frutos mais efetivos dessa parceria", refletiu ele.

Rota da Seda

Lançada em 2013, a Iniciativa Cinturão e Rota chinesa, também conhecida como Nova Rota da Seda, que engloba 150 países, não entrou nos acordos, pois o Brasil optou por não aderir ao ambicioso projeto chinês, apesar dos apelos do parceiro asiático.

Os entrevistados destacaram que o impacto de uma adesão seria mais simbólico e político do que comercial para ambos os países.

Albuquerque alegou que a decisão brasileira de não aderir ao projeto não foi unânime e teve influência de "grupos ocidentalistas no Brasil, que entendiam que o significado dessa adesão poderia colocar o Brasil muito claramente para longe do Ocidente", comentou ele ao chamar a decisão de equivocada.

"Para a China, a grande importância da Nova Rota da Seda é para a criação de novas rotas de comércio e também para a exportação de capitais e a reciclagem de capitais, sobretudo na área de infraestrutura. Então, eu acho que faltou aí, na verdade, um posicionamento mais firme do Brasil de aderir e também, claro, cobrando dos parceiros chineses um avanço num problema e num gargalo muito grave do Brasil, que é a infraestrutura, onde a gente tem uma demanda muito reprimida por uma clara falta de ferrovias, hidrovias, rodovias", examinou o jurista.

Já de acordo com Santoro, a não adesão do Brasil à nova rota reflete uma medida protecionista em relações ao setor industrial, que se sente ameaçado pela competição chinesa:

"Cerca de 90% das exportações brasileiras para a China são de produtos agropecuários e minerais, como soja, minério de ferro, petróleo, carnes e celulose. Em contrapartida, os brasileiros importam dos chineses produtos industriais, como equipamentos eletrônicos e elétricos. Desde a década de 2000 há preocupações do governo do Brasil com esse desequilíbrio, e o desejo de que as exportações incluíssem mais produtos de alto valor agregado", argumentou ele.

O cientista político também frisou que no Itamaraty há "ceticismo" quanto aos benefícios do projeto para o Brasil:

"Como o país já recebe muitos investimentos chineses, é o principal destino deles entre as nações do Sul Global, não haveria muitos ganhos extras. Os diplomatas também temem que o Brasil perderia voz e influência nas relações com a China, tendo que negociar com as dezenas de países que formam a iniciativa", disse ele ao elencar o risco de retaliações comerciais por parte dos EUA como mais um fator considerado.

Mediação conjunta em conflitos internacionais

Com relação à crise na Ucrânia, os presidentes ressaltaram que que não existem soluções simples para assuntos complexos e que China e Brasil emitiram entendimentos comuns sobre uma resolução política para a crise na Ucrânia e criaram o grupo de Amigos para a Paz junto com outros países do Sul Global.

De acordo com Santoro, o peso econômico e político das duas nações tem sim relevância para influir em negociações globais de paz.

"Os chineses, por exemplo, foram os mediadores de um importante acordo entre os vários grupos palestinos que rejeitam a ocupação israelense, além de mediar a reaproximação entre Arábia Saudita e Irã. A perspectiva de um momento mais conflituoso e isolacionista nos EUA de Trump com certeza apresentará oportunidades para Brasil e China", opinou ele.

Albuquerque também valorizou a importância do esforço conjunto sino-brasileiro para acelerar o fim dos atuais conflitos, mas alertou que enquanto o Ocidente seguir municiando com armas e financiamento uma das duas partes envolvidas nos embates bélicos, a escalada da violência deve continuar.

"Temos dois anos e meio de conflito, onde basicamente as sanções ocidentais não destruíram a Rússia nem derrubaram seu governo, como se esperava inicialmente, e a Ucrânia se estabeleceu como uma grande arapuca militar do Ocidente para as tropas russas. Temos um cenário de impasse que, no entanto, pende a favor da Federação da Rússia atualmente no campo de batalha e disso vem essa decisão açodada do comando político americano em um encerramento de governo, de determinar que a Ucrânia possa atacar o território russo".

Por Sputinik Brasil