ACORDOS

Análise: postura pragmática garante à América Latina investimentos estrangeiros e soberania

Em meio à queda de braço entre EUA e China por influência na América Latina, analistas apontam que países do continente devem adotar pragmatismo e tentar equilibrar as relações entre as duas potências, garantindo soberania interna.

Publicado em 19/11/2024 às 14:00
© AP Photo / Eraldo Peres

O não alinhamento ativo com os Estados Unidos ou a China "é uma estratégia importante para os países latino-americanos navegarem por essas águas turbulentas, mantendo, portanto, as relações positivas com os dois lados e […] ao mesmo tempo defendendo os próprios interesses", declara Regiane Bressan, especialista em América Latina e professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil.

Segundo a especialista, o Brasil é um bom exemplo de nação que trabalha de forma pragmática e consegue estabelecer uma relação de equilíbrio entre Washington e Pequim.

"As decisões da nossa política externa são muito tomadas com base no que é melhor para o Brasil, e não em função das pressões externas", afirma.

Outra estratégia para garantia da soberania dos países latino-americanos, e também para evitar que eles fiquem reféns de um único parceiro, é diversificar suas parcerias.

A proposta de não alinhamento também consiste em estar sempre em diálogo tanto com os EUA quanto com a China, haja vista a importância da parceria que esses dois países construíram com o continente, ou seja, "manter a comunicação aberta, buscando áreas de convergência e gerenciando, quando possível, as divergências", sugere a especialista.

Já no que diz respeito às negociações internacionais, Bressan destaca que a América Latina tem os recursos naturais como premissa de barganha para conseguir condições interessantes.

"Os países desenvolvidos ou empresas multinacionais podem pressionar para acordos que garantam acesso aos recursos naturais da América Latina em condições desvantajosas, explorando, por exemplo, a necessidade de investimento externo e a fragilidade institucional, ou seja, o arcabouço de leis que protegem os nossos biomas. Então os países teriam que negociar favoravelmente aos seus interesses domésticos, e, claro, protegendo o meio ambiente, considerando os impactos socioambientais da exploração desses recursos", analisa.

Condições interessantes que os países latino-americanos podem tentar negociar, segundo a professora da Unifesp, seriam barreiras não tarifárias em acordos comerciais assimétricos e condições mais favoráveis de financiamento, uma vez que estas costumam vir acompanhadas de altas taxas de juros, perpetuando dependências financeiras.

Beatriz Bandeira de Mello, cientista política e doutoranda em relações internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), vai na mesma linha de Bressan, pontuando que, no mundo ideal, "a melhor estratégia seria tentar se posicionar da maneira mais pragmática possível". Entretanto, a vitória de Donald Trump nos EUA "coloca os países da América Latina em uma nova etapa de relações", argumenta.

A analista explica que o "efeito Trump" já vem acontecendo, com mandatários como Javier Milei, na Argentina, e Nayib Bukele, em El Salvador, buscando se alinhar ao presidente eleito dos EUA. Portanto, segundo ela, "essa aliança tende a se fortalecer, pelo menos no âmbito ideológico".

Para Bressan, o cenário esperado é de Estados Unidos pensando no próprio interesse, não se importando com o desenvolvimento da América Latina. Ela aponta, portanto, que, "apesar da crise das organizações multilaterais, é o momento de a América Latina pensar nesses fóruns, nessas oportunidades multilaterais para negociar os seus interesses a partir de uma diplomacia ativa".

Em relação ao alinhamento automático demonstrado por Milei em relação aos EUA de Trump, Bressan acredita que essa atitude não interessa ao Brasil, uma vez que isso implica em perda do poder de influência do Brasil na região.

Polarização não é interessante para o Brasil, afirma analista

"Nas relações internacionais, quanto mais portas você tiver abertas para a sua negociação, para os seus interesses, melhor é para você", explica a professora da Unifesp, acrescentando que o Brasil negocia com várias partes sem ter que se posicionar e se polarizar, isolando-se apenas de um lado.

O diálogo com os chineses, por exemplo, pode gerar frutos bastante positivos no que diz respeito à infraestrutura na América Latina, como rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, e também a investimentos no setor de energia.

"Há quantas décadas estamos tentando ter um acesso de saída ao Pacífico? Seria muito importante que nós conseguíssemos ter esse acesso, bem como melhorássemos nossa infraestrutura para diminuir o Custo Brasil, porque o nosso custo de exportação é muito alto, devido à nossa malha ferroviária, que é obsoleta, à nossa infraestrutura, que é débil, que é carente", argumenta Bressan sobre parcerias com os chineses.

Além disso, ela ressalta que o Brasil precisa melhorar o investimento em áreas como tecnologia, telecomunicações, inteligência artificial, "para de fato modernizarmos todo o nosso parque industrial e realmente promovermos um novo momento, uma nova era ao desenvolvimento nacional".

Nesse sentido, a parceria com os chineses, mais voltada para uma cooperação mais horizontal, torna-se um foco interessante.

"Se a gente olhar para a relação entre América Latina e Ásia de modo geral, são estratégias que são mais complementares. Essa busca por uma diversificação de parcerias, a própria integração na América Latina, essa cadeia produtiva que tem a China como pilar, tem funcionado, descentralizar a questão do dólar nas transações internacionais", explica Bandeira de Mello.


Por Sputinik Brasil