Aliança contra a fome tem adesão de 82 países e 66 organizações; Argentina adere de última hora
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a adesão de 82 países à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, principal tópico da presidência brasileira no G20 no Rio e talvez o único que tenha algum avanço concreto. A tendência é de resultados tímidos nas duas outras frentes, como mudanças climáticas, inclusão social, taxação dos super-ricos, transição energética e reforma da governança global.
A Argentina de Javier Milei aderiu no último momento, segundo o Itamaraty, e não constava na lista inicialmente divulgada pelo governo brasileiro.
Buenos Aires, porém, mantém as resistências a temas como multilateralismo e uma declaração muito amena à Rússia ao se referir à guerra na Ucrânia pode levar ao fracasso da cúpula.
Além dos países fundadores, a aliança terá 66 organismos internacionais, entre eles fundações como Gates e Rockfeller e bancos multilaterais, como BID e Banco Mundial.
Em seu discurso de lançamento da aliança, Lula afirmou que este será o maior legado da cúpula deste ano. "Compete aos que estão aqui em volta desta mesa a inadiável tarefa de acabar com essa chaga que envergonha a humanidade. Por isso, colocamos como objetivo central da presidência brasileira no G20 o lançamento de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza."
E continuou: "O símbolo máximo na nossa tragédia coletiva é a fome e a pobreza. Segundo a FAO, em 2024, convivemos com um contingente de 733 milhões de pessoas ainda subnutridas. É como se as populações do Brasil, México, Alemanha, Reino Unido, África do Sul e Canadá, somadas, estivessem passando fome."
Devido aos demais temas com divergências, há a chance - remota, mas possível - de que o presidente argentino não assine o a declaração conjunta final, que precisa de consenso. Além disso, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, um anti-multilateralista, tende a minar o que for negociado sobre clima e reforma das instituições.
A Cúpula do G20 (grupo dos 20) reúne as 19 maiores economias do mundo, a União Europeia e, a partir deste ano, a União Africana. Como anfitrião e presidente do G20, o Brasil estabeleceu os três pilares de discussão pelas lideranças internacionais: combate à fome e à pobreza; reforma dos organismos de governança internacional; e transição energética e desenvolvimento sustentável.
A criação do mecanismo já foi aprovada antes e angariou novos integrantes nas últimas semanas, incluindo o presidente de saída dos EUA, Joe Biden. A expectativa do governo Lula era receber adesão de 100 membros.
O objetivo é acelerar a redução da pobreza e eliminar a fome, até 2030. A aliança funcionará por cinco anos, a partir de 2025, com um secretariado sediado na FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - em Roma, na Itália.
Além de obter doações de recursos, uma das intenções da aliança é mobilizar fundos já existentes para programas que reconhecidamente funcionam, como os de transferência de renda condicionada, agricultura familiar, merenda escolar e cadastro único. Os países que desejam receber dinheiro devem se comprometer a adotar um dos programas.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por exemplo, aderiu à Aliança e anunciou que vai alocar até US$ 25 bilhões em financiamentos aos seus países-membros para garantir a implementação de políticas e programas de combate à pobreza e à fome entre 2025 e 2030. O banco também irá trabalhar com o Brasil em uma revisão de meio de período para avaliar o progresso da iniciativa.
Segundo o cientista político e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha Mauricio Santoro esta agenda da fome e pobreza é a única que deve avançar nesta cúpula, já que os demais temas tendem a ser esvaziados pelo retorno de Trump à Casa Branca ano que vem.
"É um tema muito importante para o presidente Lula e é o menos controverso", diz o professor. "Não tem ali ninguém que seja contrário a isso, pode haver alguma discordância em termos concretos sobre a melhor maneira de obter isso, mas acho que é um é muito promissor".
A reforma da governança global - ONU, instituições multilaterais financeiras, como FMI e Banco Mundial, e Organização Mundial do Comércio - será tema de debate entre os chefes de Estado na segunda-feira à tarde. Lula tem repetido que os organismos não têm conseguido assegurar a paz ao redor do mundo, e que isso impede que os países se concentrem nos temas de desenvolvimento econômico e social.
Já na terça-feira, o principal tema em debate é o desenvolvimento sustentável e a transição energética. Há um embate entre quem deve pagar a conta, entre países ricos e pobres. A expectativa da conclusão do fórum na terça-feira será quanto a possibilidade ou não de um documento conjunto assinado neste cenário desafiador.
As posições destoantes, no entanto, surgem nas discussões sobre clima, mostrando uma fissão entre os membros do G7 e do Brics. Há disputa porque os países ricos, que jamais cumpriram a promessa de financiar a descarbonização, apontam o dedo para os atuais maiores poluidores, como China e Índia, e exigem que os países em desenvolvimento também paguem a conta da transição energética e mudança climática. Isso é considerado inaceitável por eles e pelo Brasil.
Países desenvolvidos têm pressionado as nações em desenvolvimento a apresentarem metas climáticas mais ambiciosas e os emergentes, como China e Brasil, a compartilharem o financiamento da descarbonização global. É o que tem travado conversas em Baku, no Azerbaijão, onde acontece a COP29. O debate, segundo diplomatas, foi transportado para o Rio de Janeiro.
A vitória de Donald Trump na eleição norte-americana, no início deste mês, é um balde de água fria entre os defensores de consensos multilaterais criados em fóruns como o G20. Trump adere ao isolacionismo internacional e econômico, com a política externa que batizou de "América Primeiro" e despreza os organismos de governança global. Em sua última participação em um G20, em Osaka, em 2020, os EUA se recusaram a ratificar os compromissos ambientais previstos no Acordo de Paris, de 2015, e a saída foi fazer uma declaração final fragmentada. Trump é abertamente contra as pautas centrais da cúpula no Brasil como mudanças climáticas e taxação de super-ricos.
Devido aos embates, as negociações - que deveriam ter terminado no sábado, 16, - avançaram a madrugada, diplomatas chegaram, no domingo ao rascunho de um texto comum, ainda pendente de acertos entre os chefes de Estado que estarão no Rio. O documento, se aprovado por todos, será assinado pelos chefes de Estado na terça-feira, 19. O G20 precisa chegar a um consenso para aprovar um comunicado.
Veja lista de países e entidades que aderiram à aliança:
Argentina
Alemanha
Angola
Antígua e Barbuda
África do Sul
Arábia Saudita
Armênia
Austrália
Bangladesh
Benin
Bolívia
Brasil
Burkina Faso
Burundi
Camboja
Chade
Canadá
Chile
China
Chipre
Colômbia
Dinamarca
Egito
Emirados Árabes Unidos
Eslováquia
Estados Unidos
Espanha
Etiópia
Federação Russa
Filipinas
Finlândia
França
Guatemala
Guiné
Guiné-Bissau
Guiné Equatorial
Haiti
Honduras
Índia
Indonésia
Irlanda
Itália
Japão
Jordânia
Líbano
Libéria
Malta
Malásia
Mauritânia
México
Moçambique
Myanmar
Nigéria
Noruega
Países Baixos
Palestina
Paraguai
Peru
Polônia
Portugal
Quênia
Reino Unido
República da Coreia
República Dominicana
Ruanda
São Tomé e Príncipe
São Vicente e Granadinas
Serra Leoa
Singapura
Somália
Sudão
Suíça
Tadjiquistão
Tanzânia
Timor-Leste
Togo
Tunísia
Turquia
Ucrânia
Uruguai
Vietnã
Zâmbia
União Africana
União Europeia