Filipinas tentam equilibrar influências para evitar destino igual ao da Ucrânia, diz especialista
Com mais de 7 mil ilhas, as Filipinas estão não somente no cruzamento de importantes rotas comerciais, mas também em uma encruzilhada política entre duas grandes potências
Como as Filipinas lidam com esse dilema foi o tema do episódio desta quinta-feira (14) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
Inicialmente colonizada pela Espanha, o que explica 79% da população se definir como católica, as Filipinas ganharam destaque no cenário geopolítico atual a partir da Guerra Hispano-Americana de 1898, quando o país europeu perdeu o controle do arquipélago para os Estados Unidos.
Com um território que se estende do Sudeste Asiático a Taiwan e se aproxima do Japão, o país insular foi governado pelos EUA até o fim dos embates no Pacífico da Segunda Guerra Mundial, em 1946.
Esse fato histórico, diz André Carvalho, professor de geopolítica e tecnologias de guerra no Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), garantiu que os dois países assinassem em 1951 um tratado de defesa mútua.
"Essa aliança possibilitou, por exemplo, que as Filipinas possuíssem entre os anos 1950 e 1960 as Forças Armadas mais bem equipadas da Ásia."
Essa proximidade histórica com o Ocidente é apenas um dos fios que guiam a política externa de Manila. O outro é a China.
O gigante asiático e as Filipinas têm uma relação intrínseca. A proximidade de ambos não só resultou em intercâmbios culturais e étnicos pela história. Com a ascensão da China, o arquipélago se tornou um grande parceiro comercial dos chineses, que observam o país vizinho com certa dualidade.
Por um lado, é costume da China manter boas relações comerciais com todos. Por outro, ao ano passam 41 mil navios comerciais pelo mar do Sul da China, também conhecido como mar das Filipinas Ocidental. Destes, 20 mil atravessam a zona econômica exclusiva filipina. Ou seja, a posição do país é "extremamente estratégica", diz Carvalho.
Ao podcast, Emiliano Unzer, professor titular de história da Ásia na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), ressalta que tamanha importância faz com que os chineses queiram garantir seu acesso a essas águas.
É nesse contexto que as Filipinas, durante sua história recente, adotam ora uma política mais combativa ora mais conciliadora com a China, e usam a sua proximidade com os Estados Unidos justamente para balancear a questão. "Ela vai sempre ficar na ambivalência. Ela não pode se dar ao luxo de escolher nenhum lado."
A exemplo disso, estão as políticas dos diferentes governos de Manila. O ditador Ferdinando Marcos (1965–1986), conhecido pelo combate a guerrilhas maoistas e separatistas islâmicas, além dos escândalos de corrupção, adotou uma política de maior embate aos interesses chineses.
Assim também o fez Joseph Estrada (1998–2001), cujo mandato de três anos foi interrompido na metade devido a protestos populares após denúncias de corrupção. Já Rodrigo Duterte (2016–2022) priorizou uma maior proximidade entre as duas nações asiáticas.
Atualmente sob o comando de Bongbong Marcos (como é conhecido Ferdinando Marcos Jr., filho do ex-ditador), o país segue uma linha pragmática de relações diplomáticas com a China e com os Estados Unidos, explica Unzer.
Essa postura pode ser explicada tanto pelo convívio que Bongbong teve com os estadunidenses — afinal passou boa parte de sua infância exilado no Havaí, devido aos crimes de seu pai — quanto pela sua escolha de vice: Sara Duterte, filha de Rodrigo Duterte.
"Quando foi eleito, a primeira visita de Estado de Marcos Jr. fora da ASEAN foi a Pequim, e em um segundo momento foi a Washington."
Segundo Unzer, Manila desenhou uma prática na qual questões militares são direcionadas a Washington, enquanto para temas econômicos busca-se Pequim. "Ela tem que ser estritamente pragmática porque ela não pode ter uma afirmação de soberania diante da sua situação."
Infelizmente, aponta o pesquisador, a economia filipina não é tão sólida quanto a de seus colegas da ASEAN, como Indonésia, "centro de gravidade do grupo", Vietnã, "que cresce a largos passos", e Tailândia, "que tem um grande aporte de turismo".
Por isso, para crescer e não ser engolida, é essencial que Manila consiga equilibrar a influência dessas duas potências, seja através de negócios com Pequim ou da parceria militar com Washington, conforme o especialista.
"O que o governo do Palácio de Malacañang quer é não virar uma frente de conflito como é a Ucrânia. Eles não querem de jeito nenhum isso."
Nesse sentido, Unzer diz que por mais que a visão da política externa filipina leve em consideração a China como uma ameaça territorial, em sua opinião "não há uma ameaça chinesa tão premente assim sobre as Filipinas. Não é do cunho de Pequim ter uma hostilidade aberta".
Em contrapartida, a escolha de Manila de ceder territórios para bases militares norte-americanas pode se mostrar um tiro pela culatra. Em primeiro lugar, a decisão não é bem vista pelos parceiros da ASEAN, que não veem motivo para incluir uma potência de fora do grupo para resolver os problemas. Mas também porque o posicionamento de bases estadunidenses signfica a perda de soberania do território, justamente o temor que há com os chineses.
"Se há algo que se aprendeu nos últimos 100 anos é que a política americana foi muito mais belicosa do que o que se observa da China hoje."