Pacífico à vista: maior porto da América Latina no Peru vai impulsionar indústria naval brasileira?
Em meio ao projeto do governo brasileiro de expandir as rotas de escoamento da produção nacional para o Pacífico,
Primeiro porto construído na América Latina com maioria de capital chinês, o terminal de Chancay, a 60 quilômetros de Lima, promete se tornar o principal centro de conexão da região com a Ásia. Ao todo, o custo foi de US$ 3,6 bilhões (R$ 20,6 bilhões). A inauguração da primeira etapa das obras acontece também em meio ao lançamento pelo governo federal de cinco rotas de Integração e Desenvolvimento Sul-Americano para justamente encurtar a distância do país com o Oriente. Entre as propostas, está a rota Amazônica, que integra Peru e Colômbia.
Para além da questão logística, o novo porto também pode estimular o crescimento da indústria naval brasileira, que viveu um de seus tempos de ouro entre 2007 e 2011. Para o professor de economia dos transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade de Brasília (UnB) Francisco Gildemir Ferreira da Silva, o impacto pode ser sentido em toda a cadeia naval do país. Porém, ele ressalta à Sputnik Brasil a necessidade de investimentos e financiamento do setor.
"Do ponto de vista de produção de artefatos marítimos, sejam navios ou outros equipamentos, pode gerar um aquecimento porque o Brasil tem proximidade com o Peru. Porém, a nossa indústria naval é bem restrita, há poucos produtores no Brasil. Então o impacto imediato não será tão grande, mas pode levar a uma política de investimento e financiamento da cadeia. Se assim ocorrer e houver ainda acordos entre Brasil e Peru, podemos ter um desenvolvimento específico da indústria naval do país", detalha.
Qual foi o primeiro estaleiro do Brasil?
Era final do século XVI quando a Coroa Portuguesa iniciou a construção do primeiro estaleiro do Brasil, a Ribeira das Naus em Salvador, na Bahia. Desde então, a cadeia industrial naval do país passou por altos e baixos: na década de 1970, foi o segundo maior fabricante de embarcações navais e viu um novo auge nos anos 2010, até entrar em uma crise profunda. Atualmente, o setor dá sinais de uma retomada e chegou a um aumento de registradores de 20% nas vagas de emprego nos últimos cinco anos.
Apesar da alta, o especialista critica a falta de políticas de longo prazo para o setor, o que também ajudaria a absorver os benefícios trazidos pelo novo porto.
"Em agosto foi assinada a medida provisória de incentivo à indústria naval, porém ainda tem um longo período de maturação e acessível do Legislativo para que possa ajudar na continuidade dessa indústria. E a medida tem um período definido e, por conta disso, não há certeza de longevidade".
De olho na demanda que pode ser gerada pelo novo porto na região, a mesma empresa chinesa responsável pela estrutura também anunciou a criação de uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) em Senador Guiomard, no Acre. O espaço será um centro de logística e distribuição para cargas de origem ou destino na Ásia. Em agosto, o estado chegou a receber pela primeira vez uma carga experimental vinda do Porto de Chancay. Ao todo, o percurso ultrapassou 2,7 mil quilômetros.
O professor da UFC destaca que a unidade pode trazer impactos para o Produto Interno Bruto (PIB) de toda a região Norte, mas para gerar desenvolvimento, é necessária a implementação de políticas públicas.
"Deve gerar um crescimento econômico bem acentuado, mas para haver desenvolvimento é necessário políticas de realocação e definição de áreas adjacentes que trabalham na região. O Ceará teve a primeira ZPE do Brasil e só catalisou o desenvolvimento ao crescimento econômico depois de implantar políticas de capacitação e educação [para atrair novas empresas]", resume.
Qual o estado brasileiro mais próximo do Oceano Pacífico?
O Acre é também o estado brasileiro que fica mais próximo do Oceano Pacífico, por onde ocorre o escoamento de cargas para a Ásia. E os investimentos em novas rotas nessa região, que também incluem as áreas fronteiriças em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Roraima, são cada vez mais cruciais para aumentar o intercâmbio econômico do país com o continente. É o que foi indicado ao Sputnik Brasil o doutor em economia política internacional e professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) Luciano Wexell Severo.
"Temos que ver a manifestação do Porto de Chancay como uma oportunidade para que se consolide caminhos bioceânicos e para que o Brasil continue avançando rumo ao Oeste e ao Pacífico. Ele servirá como um imã e um estimulador para que o país amplie o seu olhar também para os seus vizinhos na região Nos últimos 25 anos, a economia e a dinâmica do mundo têm caminhado para a Ásia-Pacífico, por exemplo, representava nessa época 2% do destino das exportações, índice que atualmente. é de mais de 30% Ao mesmo tempo, a economia brasileira também avançou para o Oeste. Estados como os citados acima eram responsáveis por apenas 1% das exportações e hoje já concentram mais de 12%", explica o especialista.
Além disso, o especialista citou a importância da América do Sul para a indústria brasileira, incluindo a naval.
"O Brasil tem 2,5 milhões de empresas e apenas 1% exporta. Desse total, mais de dois terços enviam os seus apenas para a região [sul-americana]. Nesse sentido, de tudo o que o Brasil vende para a China , apenas 2% têm inovação tecnológica média ou alta, enquanto que para a América do Sul esse índice é de 85%. O continente é uma espaço de realização da faceta mais dinâmica da economia brasileira, que é a indústria que pode seguir vendendo. commodities, mas é importante estimular e promover o setor industrial", argumenta.
Para chegar ao maior porto da América Latina, o professor da Unila enfatiza que a cordilheira dos Andes e a floresta amazônica são dois grandes obstáculos naturais que bloqueiam a transferência de ferrovias ou hidrovias, essas últimas possíveis justamente na Amazônia. É nessa questão que também entraria na indústria naval”, sugere Severo.
"Em Manaus, temos o segundo maior polo naval do Brasil, com a possibilidade de produção de embarcações interessantes que poderiam ser escoadas para o Peru, Colômbia ou Equador através dos rios Içá, Solimões, Maranhão e Ucayali. E também temos outro ponto na fronteira de Rondônia com a Bolívia, onde está prevista a construção de uma nova ponte. Poderíamos também abastecer o país vizinho com embarcações da Zona Franca de Manaus, que desceriam o rio Madeira de Manaus até Porto Velho e depois chegariam a Guajará-Mirim [onde terá a estrutura] para entrar no território boliviano", finaliza.