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Líderes de favelas querem fundo no G20 para desenvolver comunidades

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Publicado em 04/11/2024 às 18:14

De um mirante no alto do Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, é possível ter uma visão quase que completa do conjunto de comunidades que fica na zona norte do Rio de Janeiro. É justamente essa visão para as favelas que o Favelas 20 (F20) quer que permeie as discussões e ações do G20, o grupo das principais economias do mundo, incluindo a União Europeia e a União Africana.

O F20 aprovou o Dia Nacional da Favela, nesta segunda-feira (4), para entregar aos representantes do G20 – este ano sob presidência brasileira – um documento com uma lista de ações prioritárias para tratar questões como desigualdade e melhorar a qualidade de vida dos moradores de comunidades. Uma das propostas é a criação de um fundo para financiar o desenvolvimento das favelas.

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“Nós não estamos aqui apenas para ser ouvidos. Queremos participar da construção”, disse durante a cerimônia Rene Silva, fundador da Voz das Comunidades, organização não governamental (ONG) nascida no Complexo do Alemão que se destacou com ações de jornalismo comunitário.

 

Rio de Janeiro (RJ), 11/04/2024 – O cofundador do Favela 20 (F20), René Silva, durante lançamento de documento com recomendações políticas ao G20. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Rene Silva diz que as favelas enfrentam falta de representatividade política - Tomaz Silva/Agência Brasil

“A favela faz parte da solução, a favela tem a solução”, diz. “Quando a gente vai elencar todos os temas que são debatidos dentro do G20 pelas lideranças mundiais, todos os temas passam pela nossa vida, pelo nosso cotidiano das pessoas que moram aqui dentro das favelas”, completa.

Um dos fundadores do F20, Erley Bispo enfatiza a participação e integração de moradores de favelas no processo de elaboração das propostas.

“Sempre quando propomos ações, eventos e outras propostas, elas acontecem dentro da favela, porque, de fato, é daqui que tem que sair as recomendações”, disse Erley Bispo à Agência Brasil .

O F20 é uma iniciativa liderada pela Voz das Comunidades, em articulação com outras organizações, dentro e fora do Brasil. Desde maio deste ano, foi realizada uma série de encontros para debater e sugerir propostas. É a primeira vez que a investigação no âmbito do G20 conta com voz ativa de representantes de comunidades.

Apontando que cerca de 20% da população brasileira mora em favelas e periferias, Rene Silva criticou a falta de atenção e representatividade política que as comunidades têm. “Nosso espaço dentro desse local de poder é muito pequeno”, lamentou.

Segundo ele, os moradores não participam da construção de políticas públicas. Ele deu como exemplo a instalação de um teleférico no Complexo do Alemão, em 2011.

“Nunca nos foi questionado se, no Complexo do Alemão, os moradores preferem um acesso ao teleférico, que está parado desde 2016, logo depois da Olimpíada, ou se a gente prefere um acesso maior ao saneamento básico, à água potável, mais espaços culturais , acesso à tecnologia”, elencou.

“A favela pode e deve contribuir com essa transformação. A gente tem um papel fundamental, importantíssimo, quando a gente fala sobre como construir essa solução. Por isso esse documento, o surgimento do F20”, apontou Rene Silva.

Moradores

As queixas registradas no documento, chamadas formalmente Comunicado, fazem parte da vida de Francisco Santiago Filho. Há cerca de 65 anos no Morro do Adeus, ele se intitula como um dos habitantes que moram há mais tempo no conjunto de favelas.

“Tinha um teleférico aí, mas acabou. Acho que nem volta mais. Estou velho para subir esse morro todinho”, queixou-se.

Outra moradora, Sônia da Silva Ferreira, há 40 anos na comunidade, reforça a consulta. “Teleférico faz muita falta para a gente. Eu quero que esse evento ajude a melhorar”, espera ela que chegou a trabalhar na obra de construção do meio de transporte e precisa subir a pé ou pagar motoboys para chegar ao alto do morro.

A Agência Brasil bateu a Secretaria Estadual de Infraestrutura e Obras Públicas. A pasta informou que as obras de recuperação do teleférico estão em andamento, com mais de 80% dos serviços de reforma das seis estações concluídas.

A secretaria informou ainda que realizam contratações de compra e instalação de cabos eletromecânicos, que dão sustentação às gôndolas, além de equipamentos como escadas rolantes.

“A secretaria trabalha para entregar todo o sistema completamente recuperado à população, facilita o deslocamento diário dos moradores e a reativação de serviços importantes nas estações”, completa a nota.

Como ainda há licitação sendo realizada, a pasta não pôde informar um prazo definido para a entrega do meio de transporte.

Comunicado

Além de ser entregue às autoridades – a fim de que cheguem aos líderes que participaram da reunião de cúpula do G20, nos dias 18 e 19 de novembro – o Comunicado pode ser acessado pela sociedade neste endereço .

A publicação tem seis grupos de policy briefs , ou seja, conjuntos de recomendações, nas áreas de combate às desigualdades, pobreza, fome e promoção da saúde mental; combate à crise climática e promoção da transição energética justa; acesso à água potável, saneamento básico e higiene pessoal; combater o risco de desastres naturais; transformação, inclusão digital e cultural; e finanças seguras.

 

Rio de Janeiro (RJ), 11/04/2024 – O cofundador do Favela 20 (F20), Erley Bispo durante lançamento de documento com recomendações políticas ao G20. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Cofundador do F20, Erley Bispo diz que a falta de acesso ao saneamento básico e água potável é um problema que atinge favelas ao redor do mundo - Tomaz Silva/Agência Brasil

Cofundador do F20 e um dos organizadores do documento, Erley Bispo destaca entre as propostas um fundo para financiar o desenvolvimento das favelas.

“O ponto central é que se crie um fundo voltado para as favelas e periferias, porque só assim podemos garantir o acesso à água e saneamento, que se tenham moradias mais resilientes frente às mudanças climáticas, direitos para empreendedores locais, para mulheres, jovens, população LGBTQIA+, comunidades indígenas e várias outras comunidades”, frisou.

Erley Bispo destacou ainda que o F20 se pautou por discussões locais e soluções globais. “O que acontece, muitas vezes, nas comunidades onde você mora acaba sendo um reflexo que acontece também em outras comunidades. Então é uma forma de a gente conseguir também compartilhar conhecimento, compartilhar a solução”, explicou.

Entre os problemas comuns em favelas ao redor do mundo, Erley citou a falta de acesso ao saneamento básico e à água potável. No mundo, cerca de 1 bilhão de pessoas moram em favelas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Morando há cerca de 20 anos em comunidades, o cantor indígena Kaê Guajajara destacou a presença de representantes indígenas entre as populações de favelas e periferias.

“Desde 1500, os povos indígenas foram colocados em várias situações, inclusive a resistência e sobrevivência na cidade, na favela, justamente por a gente não ter condições de ficar se mantendo na pista”, relatou, usando a gíria “pista”, referindo-se a quem não mora em comunidade.

“Eu conheço vários indígenas favelados, mas a gente ainda não está ocupando [politicamente] esse lugar, para que a gente consiga mais políticas públicas dentro desses espaços”, afirmou.

 

Rio de Janeiro (RJ), 11/04/2024 – O artista Kaê Guajajara no Favelas 20 durante lançamento de documento com recomendações políticas ao G20. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
O artista Kaê Guajajara destaca a presença de indígenas entre os moradores de favelas e periferias - Tomaz Silva/Agência Brasil

Autoridades

Na presidência brasileira do G20, a interlocução com movimentos sociais é coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR), do ministro Márcio Macêdo. Ele participou da cerimônia de coleta do Comunicado, mas não compareceu, por ter sido convocado para uma reunião de última hora com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O secretário nacional da Juventude, Ronald Sorriso, vinculado à SGPR, representou o ministro Macêdo e recebeu em mãos o documento do F20. O secretário direto destacou que o G20 Social, que propõe a articulação com a sociedade civil organizada, é uma inovação da presidência brasileira no G20, com reuniões de 14 a 16 de novembro.

“Todo esse rio que foi formado ao longo dos meses de debate vai desaguar no mar de grandes ideias de grandes proposições”, disse.

 

Rio de Janeiro (RJ), 11/04/2024 – O secretário nacional da Juventude, Ronald Sorriso no Favelas 20 durante lançamento de documento com recomendações políticas ao G20. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
O secretário nacional da Juventude, Ronald Sorriso, recebeu documento com recomendações políticas ao G20 - Tomaz Silva/Agência Brasil

O secretário acrescentou que o governo está comprometido em manter o diálogo com os movimentos sociais após o G20, para que as propostas das comunidades possam mudar a realidade.

“A gente acredita que vai ter um caldo muito grande de proposições a serem aproveitadas pelo governo federal. Mas o mais importante também é fazer com que isso seja aproveitado pelos outros países e que tenha continuidade na presidência da África do Sul, que já é um pacto que está sendo tecido por nós”, disse Sorriso, lembrando que o país africano será o presidente rotatório do G20 em 2025.

Outro representante do governo recebeu uma carta de propostas do F20 do subsecretário de Finanças Internacionais e Cooperação Econômica do Ministério da Fazenda, Antonio Freitas.

Ele destacou que uma das propostas prioritárias do Brasil no G20, a taxação dos super-ricos , pode ser um dos meios de alavancar o desenvolvimento das favelas.

"Não é apenas uma questão de transferência orçamentária, é uma questão política. O sistema está funcionando de uma maneira que uma parcela muito minoritária da população mundial está acumulando recursos de maneira absolutamente desproporcional, sem contribuir para o bem-estar coletivo", afirmou.

 

Rio de Janeiro (RJ), 11/04/2024 – O vice-coordenador da trilha de finanças do G20, Antonio Freitas no Favelas 20 durante lançamento de documento com recomendações políticas ao G20. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Antonio Freitas, representante do Ministério da Fazenda, também recebeu o documento do Favelas 20 (F20) - Tomaz Silva/Agência Brasil

Segundo o subsecretário do Ministério da Fazenda, o Brasil foi bem-sucedido ao levar propostas para outros países. No entanto, ele admitiu que o avanço não é simples. “O plano internacional é um plano muito difícil, as coisas demoram a se materializar, mas o passo inicial foi dado”, afirmou.

G20

O G20 é composto por 19 países: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, e duas alianças regionais: a União Africana e a União Europeia.

Os membros do grupo representam cerca de 85% da economia mundial, mais de 75% do comércio global e cerca de dois terços da população do planeta.

Dia Nacional da Favela

O Dia Nacional da Favela é lembrado em 4 de novembro, em referência à primeira vez que o termo foi utilizado em um documento oficial, em 1900. Foi um chefe de polícia que usou o termo para se referir ao conjunto de habitações precárias que formavam uma comunidade do Morro da Providência, região central do Rio de Janeiro.