CÚPULA

Brics define lista com 13 países convidados e sem Venezuela, apesar da presença de Maduro

Publicado em 23/10/2024 às 21:00
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Os países do Brics formalizaram nesta quarta-feira, dia 23, a criação de uma nova categoria de associação ao bloco e definiram uma lista com 13 países potenciais, deixando de fora a Venezuela. Apesar de contar com a simpatia da Rússia e da China e de ter viajado para Kazan na última hora, o ditador Nicolás Maduro viu seu plano de entrar no grupo de economias emergentes bloqueado nos bastidores pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva.

A Declaração de Kazan, documento final da 16ª cúpula anual dos líderes do Brics, confirma o estabelecimento da categoria de “Países Parceiros do Brics”. Os líderes celebraram o “considerável interesse dos países do Sul Global”. Em Kazan, os membros atuais do bloco avaliaram manifestações formais de adesão expressas por 33 países.

A versão oficial do governo brasileiro é que o País não patrocinou novas adesões, nem as vetou. Questionado sobre como o Brasil se posicionou sobre o pleito da Venezuela, o chanceler Mauro Vieira, afirmou que a discussão não chegou a ser feita agora - ao menos explicitamente entre os líderes.

"A discussão desses dias foi sobre os critérios e os princípios que orientarão a ampliação do Brics no futuro. Quanto à lista de países será decidida daqui para frente. A presidência russa fará consultas com cada um dos dez membros atuais e depois então vamos declarar, vamos anunciar quais são esses países. Isso pode acontecer em menor prazo, pode ser em maior prazo, se não for até o final do ano passar para o próximo ano e para a presidência brasileira", disse o ministro das Relações Exteriores, que assumiu a chefia da representação brasileira após Lula cancelar sua viagem por orientação médica.

Nos bastidores, porém, diplomatas diretamente envolvidos nas tratativas indicaram aos pares que o Brasil tinha sim objeção ao plano de entrada venezuelano. Segundo negociadores, eles receberam instruções nesse sentido vindas de Brasília no mais alto nível político - ou seja, do presidente Lula e de seu assessor especial Celso Amorim.

Lula e Amorim estavam incomodados com o esgarçamento de relações com Caracas. Nos últimos dias, vieram a público novas provocações de Maduro e seu entorno, como a insinuação de que Lula era um agente recrutado pela CIA – agência de inteligência dos Estados Unidos. Com um longo histórico de amizade e defesa dos chavistas, Lula e Amorim fracassaram até agora ao tentar mediar um entendimento político no país vizinho e não consideraram o chavista como vencedor da eleição presidencial de julho, suspeita de fraude.

Paralelamente, Maduro realizou quarta-feira nesta reunião bilateral com Putin e disse que seu país pratica “todos os princípios do Brics por verdade”. “A Venezuela não está no caminho do Brics, do equilíbrio do mundo”, afirmou o chavista, após o encontro com o anfitrião.

Ele chegou a Kazan depois que já havia enviado a vice-presidente Delcy Rodríguez. A Venezuela recebeu o convite por meio de uma carta de Putin. “Já somos parte da engenharia, desta engenharia do mundo multicêntrico, pluripolar que está nascendo”, afirmou o chavista ainda no aeroporto, em claro movimento de pressão para entrar no grupo. "Os Brics já se converteram no epicentro do novo mundo multipolar."

Durante a reunião, Putin destacou que "a Venezuela é um dos parceiros confiáveis ​​de longos dados da Rússia na América Latina e no mundo todo". O russo expressou que apoia o desejo de Maduro de se juntar aos Brics.

Em Kazan, participou pela primeira vez de uma cúpula do Brics após a expansão de 2023 dos dez membros atuais - Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã. O Brasil assumirá a presidência rotativa em 1º de janeiro de 2025, quando for criado a categoria de países "parceiros", para a qual estão sendo convidados outros 13 países.

O Estadão teve acesso ao documento em que consta a “lista consolidada de potenciais países parceiros”. São eles: Argélia, Bielorrússia, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã.

O Brasil indicou preferência pela aprovação de dez novos associados. O governo indicou simpatia pelas candidaturas de latino-americanos, como Cuba e Bolívia, por exemplo, e também manifestou aos pares que barraria o pleito da Nicarágua, cujo ditador Daniel Ortega rompeu com Lula.

O ministro das Relações Exteriores disse que não pode haver um "aumento desmedido" no número de países associados ao Brics, que não é um bloco formal e nem dispõe de uma base e secretariado.

Segundo ele, o Brasil não vai se desengajar do grupo, mas também não vê sua participação como um movimento hostil ao Ocidente - Estados Unidos e Europa. O fortalecimento de um polo alternativo vem sendo fomentado por russos e, sobretudo, pelos chineses, até então os principais incentivadores da expansão a qualquer custo e a maior possível, segundos diplomatas diretamente envolvidos.

"O Brasil não é contra ninguém. O Brasil é a favor da cooperação e do desenvolvimento do nosso próprio interesse nacional. Eu acho que existe uma visão negativa do Brics, porque acho que o Brics é contra um ou contra outro. Não é nada disso . O Brasil, até onde eu sei, é um País do Ocidente. Então, o Brasil não vai querer ser contra si próprio E o Brasil tem ótimas e antiquíssimas relações com todos esses países", afirmou Vieira.

Até a confirmação das novas adesões e a definição do escopo de participação e das prerrogativas dos países “parceiros” - uma das possibilidades é que não têm direito a vetar assuntos -, o Itamaraty espera que surjam novas restrições sobre a lista fechada em Kazan. Isso porque os direitos de quem tem o status de parceiro podem desagradar.

Entre os critérios avaliados para os convites havia relevância política, equilíbrio na distribuição regional dos países, alinhamento à agenda de reforma da governança global, inclusive o Conselho de Segurança da ONU, e de instituições financeiras, como o FMI, inspeção a avaliações não autorizadas pelas Nações Unidas no âmbito do conselho, e relações "amigáveis" com todos os membros.

O retorno da Venezuela ao páreo, por enquanto, é visto com ceticismo no governo brasileiro, porque dependeria de nova discussão entre os líderes para chegar a um consenso e, potencialmente, deterioraria a relação com Lula, que já indicou discordância.

"Tem que haver uma consulta entre todos os países, tendo uma posição que leve a um consenso, são 10 ou 12 países, o Brasil é favorável que haja um número de dez, já que são dez atualmente os membros, que os parceiros sejam também dez nesse primeiro passo. Então tudo será feito em consenso e em consulta”, afirmou Vieira.

Os negociadores do Brics fecharam acordo para não divulgar oficialmente, por enquanto, a lista de países que estão sendo sondados para se juntarem ao grupo. Eles deixaram de incluir a relação dos 13 na declaração final da cúpula, como fizeram no ano passado.

Essa foi uma forma de evitar constrangimentos depois que a Argentina, sob o governo Javier Milei, acenou aos Estados Unidos e Europa e recusou o convite formalizado em Joanesburgo, África do Sul. O Arábia Saudita, tratado como membro, também alega ainda não ter decidido pela adesão formal, tendo por enquanto uma participação precária e subrepresentada.

Agora, os russos vão iniciar o processo de sondagens junto a 13 países. Moscou tem interesse em sair como patrocinador de novos membros para angariar apoio ao governo Vladimir Putin, principalmente por causa do isolamento provocado pela guerra na Ucrânia. A organização da cúpula russa divulgou imagens que ajudaram Putin a combater a ideia de que se converteria num pária internacional.

Nesta quinta-feira, dia 24, os chefes de Estado e de governo dos países Brics participam justamente do segmento da cúpula destinado à interação com representantes dos países convidados pela Rússia, que costumam ser chamados de Brics Outreach/Brics Plus. Entre eles, estão em Kazan Maduro e os potenciais membros da categoria de "países parceiros", nações que estão há algum tempo na órbita do grupo e participam regularmente de atividades. A cúpula deve ser encerrada com uma coletiva de imprensa de Putin.