Brasil veta Venezuela e Nicarágua no Brics por ordem de Lula; Maduro vai de surpresa à cúpula
Países do Brics reunidos em Kazan, na Rússia, fecharam na manhã desta terça-feira, 22, um acordo a respeito da lista de países que devem ser convidados para o plano de expansão do grupo de emergentes do Sul Global, movimento patrocinado pela Rússia e China.
Nicarágua e Venezuela, ditaduras latino-americanas de quem o governo Lula tem procurado se afastar após anos de proximidade ideológica, ficaram de fora da lista de potenciais novos membros, a pedido do governo brasileiro. Cuba e Bolívia foram convidados. Fecham a lista Indonésia, Malásia, Uzbequistão, Casaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria, Uganda, Turquia e Bielorrússia.
Uma seleção de países foi fechada em nível de negociadores - diplomatas e ministros - e será levada para avaliação dos líderes, os chefes de Estado e de governo que se reúnem a partir desta quarta-feira, dia 23. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai participar por videoconferência, depois de ter cancelado a viagem à Rússia por causa de um acidente doméstico e de um ferimento na cabeça.
Os navios sondaram os demais membros do Brics sobre um total de 33 países que se candidataram formalmente e estiveram na mesa em Kazan. Segundo negociadores do Itamaraty, a delegação brasileira bloqueou as ditaduras de Daniel Ortega e de Nicolás Maduro seguindo instruções de alto nível diretas de Brasília, ou seja, do próprio Lula. Outros países sofreram objeções, como o Paquistão, rival histórico da Índia.
De surpresa, Nicolás Maduro desembarcou em Kazan na noite desta terça-feira, horas depois do acordo ter sido fechado entre as delegações e sherpas - o que inclui, além da criação da categoria de países parceiros, os termos do documento final da cúpula, a Declaração de Kazan, cujo rascunho tinha 106 parágrafos. Antes, a Venezuela foi representada pela vice-presidente Delcy Rodríguez. Um membro da equipe brasileira relatou clima de "surpresa geral" com a chegada do chavista.
A presença de Maduro em Kazan – ele foi convidado de Putin – pode indicar um esforço político para reverter o revés. Ele contava com a simpatia de russos e chineses para ser admitido como membro.
Diplomatas brasileiros são céticos sobre a possibilidade de uma reviravolta - depois de um consenso ter sido alcançado - e lembram que os próprios vitoriosos sabem da atual reivindicação de Lula com o chavista e do esgarçamento das relações. No entanto, a mudança admite que pode ocorrer no cenário, uma vez que a cúpula não se encerrou ainda e que a instância decisória máxima é a reunião de líderes.
Após o acordo fechado, a ideia do Brics não era anunciar os novos membros imediatamente, embora os russos queiram concluir o processo de associação de forma célere. A presidência da Rússia ficou a consultar se os 12 países se comprometem com os critérios de expansão, princípios e regras do Brics para chegar a pelo menos dez membros novos.
A intenção era evitar constrangimentos como a demora da Arábia Saudita ao formalizar a adesão e a recusa formal da Argentina de Javier Milei, após os convites anunciados durante a expansão do ano passado.
Esses países não se tornarão membros "plenos" do Brics, como os atuais - Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã. A ampliação acertada nesta terça na Rússia criou uma nova categoria de associação, os chamados países "parceiros".
Segundo o Itamaraty, entre as condições avaliadas tiveram relevância política, equilíbrio na distribuição regional dos países, alinhamento à agenda de reforma da governança global, inclusive o Conselho de Segurança da ONU, revisão das avaliações não autorizadas pelas Nações Unidas no âmbito do conselho, e relações "amigáveis" com todos os membros.
Como o Brasil foi avesso à nova ampliação, diplomatas brasileiros na Rússia incluíram nas negociações, como contrapartida, uma menção à reforma do Conselho de Segurança da ONU, uma antiga reivindicação do País e também das diplomacias indiana e sul-africana. Como de praxe, o Brics aborda o assunto nas declarações finais que retoma debates e acordos do bloco.
No entanto, desta vez - por causa da composição heterogênea dos negociadores à mesa após a ampliação de 2023 - houve resistências de episódios e mudanças na redação. O nível de consenso foi mais baixo a respeito da reforma do conselho, embora ainda sinalize apoio ao pleito brasileiro, relatado um diplomata.
O Brasil era contra a entrada da Nicarágua no grupo. Lula e o antigo aliado, Daniel Ortega, se afastaram depois que o Brasil tentou interceder por religiosos católicos perseguidos pela ditadura sandinista. O embaixador brasileiro em Manágua foi expulso do país em agosto.
Na segunda-feira, o embaixador Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, indicou que era contra a entrada da Venezuela no bloco. "Há um excesso de nomes colocados à mesa. O Brics tem que conservar a sua essência de países expressivos e com influência nas relações internacionais. Não estou sugerindo os outros países candidatos, mas para isso tem a ONU e o G-77", afirmou o embaixador.
As relações históricas entre Lula e o chavismo também são estremecidas desde a eleição de julho, permeadas por denúncias de fraude. Até agora, o governo brasileiro não confirmou a vitória autodeclarada do ditador venezuelano. Recentemente, aliados de Maduro chegaram a dizer que o presidente seria um agente da CIA a serviço dos EUA.