Venezuela rebate crítica do Brasil sobre eleição, mas agradece 'solidariedade' de Lula
A ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela rebateu o Itamaraty que, nesta terça-feira, 26, mudou o tom e criticou Caracas pela primeira vez por impedir o registro da opositora Corina Yoris para disputar a eleição. Por outro lado, o regime chavista agradeceu nominalmente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela "solidariedade".
Em nota, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, repudiou a declaração do Itamaraty sobre as eleições e disse que o comunicado parecia "ter sido ditado pelo Departamento de Estado dos EUA, onde são emitidos comentários carregados de profundo desconhecimento e ignorância sobre a realidade política na Venezuela"
O texto segue dizendo que a Venezuela não emite o que chamou de juízo de valor sobre os processos políticos e jurídicos que ocorrem no Brasil. "Em consequência, tem moral para exigir o mais estrito respeito ao princípio de não interferência em assuntos internos", afirma.
Por fim, a chancelaria cita nominalmente o petista. "O governo bolivariano agradece as manifestações de solidariedade do presidente Lula da Silva, que de maneira direta e sem ambiguidades condenou o bloqueio criminoso e as sanções impostas de forma ilegal pelo governo dos Estados Unidos", diz o texto.
A nota emitida horas antes pelo Itamaraty expressava preocupação com as eleições na Venezuela e apontava que o impedimento para o registro da oposição é incompatível com o Acordos de Barbados, referindo-se ao compromisso que Nicolás Maduro assumiu de abrir caminho para uma votação livre e justa.
O texto, contudo, reiterava o repúdio às sanções, seguindo a tradição da diplomacia brasileira, que se opõe aos embargos unilaterais. "O Brasil reitera seu repúdio a quaisquer tipos de sanção que, além de ilegais, apenas contribuem para isolar a Venezuela e aumentar o sofrimento do seu povo."
Essa foi a primeira crítica direta que o Itamaraty fez sob Lula ao regime da Venezuela.
O presidente chegou a criar atritos com vizinhos sul-americanos à esquerda e a direita no esforço para reabilitar Nicolás Maduro, recebido com pompas de chefe de Estado ano passado em Brasília. Na ocasião anunciada por Lula como "o começo da volta de Maduro", o petista criticou as sanções dos Estados Unidos e disse que a Venezuela precisava divulgar a sua própria "narrativa", sem citar as denúncias de violações dos direitos humanos por Caracas.
Mais recentemente, o brasileiro foi duramente criticado pelo líder opositora venezuelana María Corina Machado, que está impedida de ocupar cargos públicos por 15 anos. Ao lembrar que foi impedido de concorrer em 2018, quando cumpria pena em processos no âmbito da Lava Jato, ele disse que "ao invés de ficar chorando", indicou outro candidato em referência a Fernando Haddad.
A oposição da Venezuela indicou a homônima Corina Yoris para enfrentar Maduro. Mesmo sem ter qualquer impedimento, no entanto, ela denunciou que não conseguiu acessar o sistema do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela dentro do prazo para inscrição, que se encerrou nesta madrugada. Maduro, por outro lado, oficializou a candidatura à reeleição cercado por militantes, sem empecilhos.
Como antecipou a Coluna do Estadão, o Planalto estava irritado com a posição chavista, mas avaliou inicialmente que era preciso esperar o desenrolar. Agora, Lula avalia uma crítica pública a Maduro, apesar do potencial estremecimento na relação com o aliado histórico. O assunto foi discutido hoje com o assessor para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
À Coluna do Estadão, um interlocutor de Lula lembrou que a defesa da ditadura venezuelana teve peso na perda de popularidade do presidente, indicada em ao menos três pesquisas. Para essa fonte, não há mais espaço nem político nem diplomático para relativizar os "abusos" de Maduro.