Vladimir Barros
É advogado militante, formado pela Universidade Federal de Alagoas e pós-graduado em Direito Processual e Docência Superior. Jornalista filiado ao Sindjornal/FENAJ, é membro efetivo da Associação Alagoana de Imprensa (AAI) e da Associação Brasileira de Imprensa; Editor do Jornal Tribuna do Sertão. É também membro da Academia Palmeirense de Letras (Palmeira dos Índios) e fundador da Rádio Cacique FM.Entre ruínas, silêncios e algumas esperanças
Hoje é 30 de dezembro de 2025. Penúltimo dia do ano. A cidade amanhece com aquele silêncio estranho que só existe entre o fim e o recomeço, quando o calendário já não tem força para esconder as marcas do que passou. Esta crônica não é um ajuste de contas pessoal. É, antes de tudo, um espelho — e espelhos não mentem, apenas devolvem a imagem, por mais incômoda que ela seja.
A política de Palmeira dos Índios atravessou 2025 como quem cruza um campo minado: denúncias por todos os lados, desconfiança generalizada, gestos duros travestidos de soluções técnicas e um povo cada vez mais cansado de pagar a conta. Foi um ano turbulento, desses que não permitem distração, porque qualquer cochilo custa caro.
Houve denúncias de irregularidades na Prefeitura. Houve sinais claros de conivência e omissão na Câmara de Vereadores. Houve o velho jogo de empurra, a clássica tentativa de jogar responsabilidades para trás, para o ontem, para o anteontem — como se o presente não tivesse dono. E houve, sobretudo, um sentimento persistente de que Palmeira dos Índios perdeu um pouco de si mesma ao longo do caminho.
No apagar das luzes, quase como um símbolo cruel desse ano, veio o que muitos chamaram — sem exagero — de crime contra o servidor público ativo e aposentado. Um golpe direto, frio, calculado, perpetrado pela atual gestão de Luísa Júlia, com o aval silencioso da maioria da Câmara. Um sacrifício imposto àqueles que trabalharam a vida inteira, apresentado como solução técnica para tapar os buracos deixados por uma gestão anterior marcada pelo desperdício, pela falta de planejamento e pela irresponsabilidade administrativa do sobrinho, Júlio César.
A conta, mais uma vez, não foi cobrada de quem errou. Foi empurrada para quem sempre pagou.
E aqui mora uma das maiores tragédias políticas de Palmeira dos Índios: o erro nunca é pessoal, mas o castigo quase sempre é coletivo.
Ao longo do ano, também assistimos ao impasse da homologação da demarcação de terras, um tema sensível, histórico, profundo, que exige diálogo, coragem e responsabilidade. O que se viu, porém, foi a protelação, o silêncio estratégico, a ausência de posicionamentos firmes. Em Palmeira, temas difíceis costumam ser empurrados para debaixo do tapete até que o tapete não aguente mais.
Falamos, ainda, da destruição da cidade. Não é força de expressão. Ruas maltratadas, espaços públicos degradados, obras que começam e não terminam, e um sentimento geral de abandono urbano. Palmeira dos Índios, que já foi chamada — com orgulho — de Princesa do Sertão, hoje parece caminhar curvada, como se tivesse vergonha de olhar para o próprio passado.
E há o episódio que nunca foi devidamente explicado: o sumiço político e administrativo dos cerca de 100 milhões de reais da concessão das águas. Um valor que deveria ter significado investimento, melhoria, dignidade. Em vez disso, virou um fantasma. Um número repetido em discursos, mas ausente na vida real. Nenhuma explicação convincente. Nenhuma prestação de contas que satisfaça. Apenas o silêncio — esse velho aliado dos maus gestores.
Enquanto isso, a água… ah, a água. Em pleno sertão, bairros inteiros seguem até 30 dias sem abastecimento. Famílias improvisam, recorrem a baldes, carros-pipa, favores. A falta d’água deixou de ser exceção e virou rotina. E quando a escassez se normaliza, algo muito grave já aconteceu com a consciência pública.
A oposição? Bem, a oposição em Palmeira dos Índios é uma entidade curiosa. Ela existe, mas só aparece quando convém. Em temas menores, surge inflamada, barulhenta. Nos assuntos realmente prementes — aqueles que sangram o povo, que expõem a ferida aberta da gestão — ela se esconde, baixa a cabeça, muda de assunto ou simplesmente desaparece. Não é oposição: é conveniência política.
Mas seria injusto dizer que 2025 foi feito apenas de sombras.
Houve, sim, luzes — e é preciso reconhecê-las, até para que não se apaguem. A principal delas veio do Governo do Estado com a obra do novo Hospital de Palmeira dos Índios. Um equipamento moderno, necessário, que promete desafogar o sofrimento histórico da saúde pública na região. Curiosamente, o hospital só é criticado por quem parece torcer contra a própria cidade, uma oposição que aparece para criticar o que funciona, mas se cala diante do que massacra o povo.
O hospital é esperança concreta. É obra que fica. É política pública que não cabe em discurso vazio.
Também houve resistência. Houve servidores que denunciaram, jornalistas que insistiram, cidadãos que não aceitaram o silêncio como resposta. Houve quem lembrasse, todos os dias, que Palmeira dos Índios é maior do que seus governantes de ocasião.
Talvez 2025 tenha sido, acima de tudo, um ano de revelações. Revelou quem governa pensando no coletivo e quem governa pensando em salvar o próprio passado. Revelou quem fala alto e quem age baixo. Revelou que a cidade ainda tem voz, mesmo quando tentam calá-la.
Ao chegar ao penúltimo dia do ano, Palmeira dos Índios não está derrotada. Está ferida. E cidades feridas precisam de verdade, coragem e memória. Esquecer é sempre o maior favor que se pode fazer aos maus gestores.
Que 2026 chegue não como um ano mágico, mas como um ano de vigilância. Que o povo não abaixe mais a cabeça. Que a Princesa do Sertão volte a se reconhecer no espelho — não pela nostalgia, mas pela dignidade.
Porque cidades não morrem de uma vez. Elas vão sendo abandonadas aos poucos. E resistir, hoje, é um ato de amor.