Carlito Peixoto Lima

Conversas com Ariano

Publicado em 16/02/2025 às 08:00
Carlito Peixoto Lima

Sou um privilegiado, conversei, me diverti, saboreei alguns encontros com Ariano Suassuna. Certa vez ele veio a Maceió para dar uma aula sábia e divertida no Centro de Convenções. Fui designado pelo Clube de Engenharia para a honrosa apresentação do amigo. Antes da palestra, em conversa informal eu revelei com orgulho ter lido três vezes, "A Pedra do Reino", aquele seu livro, orgulho da literatura brasileira, faz entender melhor a vida do homem nordestino.

Auditório cheio, mais de 2.000 pessoas, a aula estava uma delícia, certo momento, Ariano confessou: "Tenho admiração pelos escritores e pelos loucos, mentirosos, fugindo da realidade eles inventam histórias, imaginam outras vidas, não aceitam a realidade. Existe todo tipo de louco, aqui no auditório tem vários, o Carlito Lima, por exemplo, leu três vezes meu livro, "A Pedra do Reino", só um doido pode ler um meu livro três vezes." A plateia às gargalhadas. Na saída o povo me sorria. Eu feliz da vida pelo Mestre ter me citado.

Há alguns anos fui à Festa Literária de Boqueirão na Paraíba, hospedados no mesmo hotel à beira de um belo lago, conversamos amenidades. Nesse fim de semana, ele se divertia com minhas histórias, dois dias agradáveis no sertão paraibano em boa companhia. Ariano me chamava de "Carcereiro do Arraes" devido ao fato do governador ter sido preso no quartel onde eu servia durante o golpe de 64.

Eu era Secretário de Cultura quando Ariano apareceu em Marechal Deodoro, o SESC aprontava o documentário, "O Nordeste de Ariano". Ele fez questão de gravar o depoimento sobre Bandas Filarmônicas Nordestinas em Marechal Deodoro, cidade histórica onde existem cinco ótimas e antigas bandas, Santa Cecília, Carlos Gomes, Aconchego, Manuel de França e Boa Vista. Foi organizado um belíssimo concerto de dobrado militar em frente ao Convento Santa Maria Madalena, ficamos extasiados com a tocata. Certo momento Ariano perguntou se eu conhecia a origem do dobrado, respondi ter noção. Ele esclareceu, "O dobrado militar foi invenção da guerra, o som, a repetição, a altura do tocar, dão emoção e coragem aos soldados para se defrontarem com o inimigo, entretanto, se esse belíssimo dobrado que estamos ouvindo fosse tocado numa guerra, os soldados em vez de atacar, iriam oferecer flores ao inimigo." Filosofou, sorrindo e gaguejando, Ariano.

 Ariano era um profundo conhecedor de dobrados e bandas filarmônicas. Naquele dia, era aniversário de Ariano, depois do depoimento, organizamos uma surpresa, as bandas de Marechal, juntas, tocaram, "Parabéns prá você", e um bolinho de vela, ele se emocionou e emocionou a privilegiada e reduzida plateia que assistia a filmagem do histórico documentário naquele sábado de sol na bela Marechal Deodoro.

Tenho uma forte admiração pela obra e pelo ser humano, Ariano Suassuna, suas palestras abrangiam vários temas, desde a arquitetura e construção de casa de taipa nas pequenas cidades nordestinas às músicas encantadoras do Nordeste. Era um sábio, intelectual, nacionalista, quase xenófobo, não admitia o estrangeirismo apagar nossa cultura. Dizia, "Prefiro nosso Ôxente que o OK americano." O Brasil real perdeu o maior defensor de sua cultura popular. Ficou sua obra, eternamente lembrada, Ariano Suassuna a única unanimidade brasileira.