Funai não é mais tutora e sim parceira dos povos indígenas, diz chefe da fundação à Sputnik Brasil
Em entrevista ao podcast Jabuticaba sem Caroço, da Sputnik Brasil, Joenia Wapichana diz que a fundação hoje não trabalha apenas para os povos indígenas, mas com os povos indígenas, e recorre a parcerias para contornar falta de servidores.
Um dos eventos marcantes ocorridos em 2025 no Brasil foi a realização da COP-30 em Belém, no Pará. O evento bateu recorde de participação de povos originários, com mais de 5 mil participantes indígenas.
Em entrevista ao podcast Jabuticaba sem Caroço, da Sputnik Brasil, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, faz um balanço da participação dos povos indígenas e da fundação no evento.
Wapichana afirma que toda COP termina com compromissos que avançam e expectativas de outros que não foram alcançados. Ela frisa que as lideranças indígenas que participaram do evento foram propositivas e conseguiram incluir suas principais demandas na carta de compromisso firmada na cúpula.
"Lógico que a gente tinha mais expectativa em relação à questão de combustíveis fósseis, [...] ter as metas e até mesmo os indicativos de a gente superar, até mesmo enfrentar o uso de combustíveis fósseis, também é uma questão que nos preocupa como indígenas, como representantes, líderes indígenas, e a gente viu que isso precisa ser avançado e não avançou. Enfim, existem expectativas que foram alcançadas e outras que a gente aguarda ainda que sejam", afirma.
Ela lista entre as questões abordadas no evento a importância da demarcação e proteção das terras indígenas contra crimes como grilagem, garimpo ilegal e biopirataria.
"E a gente participou, lógico, dessas discussões sobre o que ameaça as terras indígenas, seja grilagem, seja mineração, seja o desmatamento através de madeireiros legais, seja de biopirataria. Hoje a gente tem situações nos rios, são os piratas reais que ameaçam tanto as pessoas que protegem os territórios indígenas, mas também os recursos naturais."
Uma das ações feitas pela Funai na COP-30, apontada por Wapichana, foi uma feira montada no evento dedicada a ações educativas sobre a vida dos povos indígenas e a importância de ter a terra demarcada e protegida para garantir o extrativismo do qual as populações tiram o sustento.
"Esse contato faz com que seja uma ação educativa também para quem não conhece a vida dos povos indígenas, não sabe a importância de ter a terra demarcada, protegida, os recursos naturais protegidos. Eu vou entender por que a gente vive do extrativismo, por que protege tanto a floresta em pé, por que é importante proteger os mananciais de água, por que é importante os povos indígenas participarem da COP", explica.
Ela acrescenta que foi montado também um espaço voltado para a conscientização sobre a biodiversidade, com uma ação interativa para os visitantes chamada "Abano do clima".
"Nós adquirimos abanos que têm origem nos seis biomas do Brasil, não era só da Amazônia, nós trouxemos do Cerrado, nós trouxemos da Caatinga, nós trouxemos da Mata Atlântica, do Pantanal, da Amazônia, de vários biomas, de todos, teve a oportunidade de as pessoas verem as diferenças nos abanos."
Wapichana explica que os visitantes também puderam ter acesso a vídeos institucionais que explicavam como é feito o trabalho da Funai para pessoas que não tinham conhecimento sobre a atuação da fundação.
"Até falavam errado: 'Índio'. A gente teve oportunidade de também fazer correções: 'Não é índio, são povos indígenas'. 'Por que são povos indígenas?' 'Porque são mais de 391 diferentes povos, diferentes culturas'. E aí, com essa ação interativa, também eles puderam aprender mais o que faz a Funai", destaca.
Wapichana conta que quando assumiu a presidência da Funai, em fevereiro de 2023, encontrou a fundação "extremamente sucateada, desvalorizada e sem qualquer credibilidade".
"Porque [a Funai] estava num processo diferente do que era implementar direitos, executar políticas de gênero. Então, o primeiro ano foi um pouco de resgatar essa imagem, e até mesmo a seriedade que a Funai tem para buscar recursos. E a gente está fazendo isso, fizemos o concurso público justamente já para se preparar para essa nova fase de resgatar os direitos indígenas."
Ela afirma ainda que, para contornar o orçamento baixo, a Funai tem apostado em parcerias com universidades e institutos como forma de atender às demandas da fundação.
"Nós não estamos de braços cruzados, só choramingando por recursos, nós estamos buscando alternativas, por isso que eu fiz vários anúncios de acordos de cooperações com universidades. Primeiro, para valorizar os trabalhos científicos dos nossos antropólogos, e é até melhor, às vezes, porque eles têm conhecimentos locais. Então eu tenho feito várias cooperações com universidades que estão nos ajudando nessas demarcações físicas."
Combinado com isso, afirma Wapichana, há acordos feitos com as próprias organizações indígenas para não apenas trabalhar para os povos indígenas, mas com os povos indígenas, como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), como forma de valorizar os povos indígenas, mas também ter alternativas de parceria.
"A partir da minha gestão, o que eu quis fazer é estar o mais próximo possível dos povos indígenas para eles entenderem o trabalho da Funai, que aquela Funai antiga, tutora, já não mais existe. A Funai é parceira dos povos indígenas. [...] Já que a gente não tem muitos servidores, a gente consegue se juntar, juntar os esforços."