Retorno de Trump foi 'catalisador' para consolidação do BRICS, diz analista
O Mundioka faz a retrospectiva de 2025 para o BRICS, se o bloco conseguiu atingir seus objetivos e como foi a presidência do Brasil neste ano.
O grupo cresceu, apareceu e se tornou uma dor de cabeça para Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Primeiro por assuntos como desdolarização, uso de moedas locais para negociar e até mesmo a criação de uma moeda própria. Depois, pelo reforço de multilateralismo que o BRICS conseguiu encorpar neste ano. A China parece agora ser o país que mais dá as cartas.
O grupo ficou mais asiático do que nunca, com a Indonésia chegando como país membro efetivo e economias emergentes importantes como Malásia e Vietnã se juntando como países parceiros, após a adesão de países africanos, como Etiópia e Egito, e do Oriente Médio, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã.
Em 2025, tivemos o Brasil assumindo a presidência do bloco no dia 1º de janeiro, com a cidade do Rio de Janeiro sendo escolhida para sediar a cúpula. Desse encontro em junho, saiu a Declaração do Rio de Janeiro, documento que reúne 126 pontos com posições do grupo sobre governança global, conflitos internacionais e cooperação econômica.
No episódio desta segunda-feira (29) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, especialistas convidados fizeram uma retrospectiva de como foi o ano de 2025 para o BRICS, um ano, segundo eles, com saldo positivo e com avanços para o multilateralismo.
Fernando Goulart, pesquisador do Nubrics da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que o "catalisador" para a consolidação do bloco foi o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.
Goulart explica que a vitória dos republicanos em 2024 e o segundo mandato de Trump aceleraram a admissão de membros para o BRICS e motivaram os países membros a se unirem em temas comuns sob o risco de serem "tratorados" pelos EUA se não agirem dessa maneira.
O pesquisador também tira a dúvida de muitos ouvintes: por que Rússia e China fazem parte do Sul Global? "É por causa das características de desenvolvimento desses países, porque nós não somos aquela foto que foi tirada em 1945. Embora a China esteja no Conselho de Segurança da ONU, assim como a própria Rússia, em termos de desenvolvimento econômico, não estão no mesmo patamar", explica.
"Esse é o Sul Global, que são esses países em desenvolvimento. O BRICS é uma aliança só para a gente concatenar as nossas posições políticas, porque o mesmo calo que aperta no sapato do Brasil é o que aperta no sapato da Rússia, da China, da Indonésia, que entrou recentemente, e, assim, é dada a realidade desses países, desses novos entrantes na economia global."
O analista ressalta como o bloco foi uma alternativa para países considerados pertencentes ao "Terceiro Mundo" se destacarem mundialmente, citando a criação da Ferrovia Bioceânica, conectando o porto de Ilhéus, no estado da Bahia, com o porto de Chancay, no Peru. O projeto visa interligar os litorais do Oceano Pacífico e Atlântico, passando por biomas diferentes e regiões ricas do agronegócio brasileiro, como o Matopiba, a área de fronteira entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Além dele, o Mundioka também ouviu Willliams Gonçalves, professor de relações internacionais aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU).
Gonçalves pontua que se o ano foi bom para o BRICS depende muito do objetivo do bloco, que segundo ele é a mudança da ordem internacional. "O objetivo do BRICS não é a realização de algum fato, de algum evento que, vamos dizer, declare o êxito do grupo. Não. O propósito do grupo é trabalhar no sentido da mudança", sublinha.
"É um processo que não tem data marcada para terminar. De modo que a agregação de novos Estados afinados com os propósitos do BRICS aumenta as possibilidades de cooperação entre os países do Sul Global, de modo que isso pode ser considerado um êxito do BRICS."
Quanto à avaliação do Brasil na presidência do bloco em 2025, o professor vê uma postura de moderação do país neste ano. Gonçalves diz que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva agiu de maneira cautelosa e evitando temas polêmicos para não atiçar a oposição interna e não aumentar as contradições com os Estados Unidos. Ele também ressalta a diferença de postura com o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que em sua visão "praticamente retirou o país do BRICS" já que não tinha afinidade com os objetivos do grupo.
"A participação brasileira nesse último governo tem sido marcada pela moderação, sempre procurando evitar os temas mais espinhosos e investir naqueles temas que são indiscutíveis, tanto dentro do Brasil como fora: eliminar a fome no mundo, promover alternativas energéticas que não contribuam para a deterioração do meio ambiente", explica o professor.