Sem o apoio de Kast e com uma região dividida: Bachelet está perdendo terreno rumo à ONU?
A decisão do presidente eleito do Chile, José Antonio Kast, de suspender apoio pode enfraquecer seriamente a candidatura de Michelle Bachelet ao cargo de Secretária-Geral da ONU. O analista Gilberto Aranda disse à Sputnik que a existência de múltiplos candidatos latino-americanos complica ainda mais suas chances.
O encontro entre o presidente eleito do Chile, José Antonio Kast, e a ex-presidente chilena Michelle Bachelet (2006-2010 e 2014-2018) não só não gerou apoio claro do futuro governo à candidatura da ex-presidente ao cargo de Secretária-Geral da ONU, como também pode começar a enfraquecer definitivamente sua candidatura.
As aspirações de Bachelet ao cargo máximo das Nações Unidas foram formalizadas em setembro de 2025, quando o presidente chileno Gabriel Boric promoveu seu nome durante a Assembleia Geral da ONU, destacando sua experiência como Secretária-Geral de Direitos Humanos da organização e como a primeira mulher presidente da história do Chile.
Naquela ocasião, Boric também defendeu a candidatura de Bachelet em um momento de consenso internacional de que o cargo de Secretário-Geral deve ser ocupado por um representante da América Latina e do Caribe, abrindo a possibilidade de uma mulher ocupar o cargo pela primeira vez.
Mas a candidatura de Bachelet não é a única da região: a Argentina já indicou oficialmente Rafael Grossi, atual Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica; a Costa Rica confirmou a indicação de sua ex-vice-presidente e atual Diretora Executiva da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês), Rebeca Grynspan; e outros nomes estão sendo considerados, como o da atual Secretária do Meio Ambiente do México, Alicia Bárcena.
Assim, Bachelet começou a garantir o apoio necessário para fortalecer sua candidatura. Para isso, reuniu-se com a presidente mexicana Claudia Sheinbaum e com o presidente uruguaio Yamandú Orsi, embora nenhum dos dois a tenha endossado oficialmente.
Em entrevista à Sputnik, o analista internacional chileno Gilberto Aranda alertou que o recente encontro de Bachelet com Kast apenas aumentou a "incerteza" sobre as chances da presidente chilena, que já ocupou o cargo duas vezes. O presidente eleito não expressou apoio à candidatura e simplesmente anunciou que revelará sua posição somente após 11 de março, quando tomará posse no Palácio de La Moneda.
"Se o Chile decidir não apoiá-la, a candidatura ficará complicada, pois normalmente conta com o respaldo do governo. Enquanto isso, permaneceremos nessa incerteza e confusão", observou o especialista.
Uma decisão incômoda
Segundo Aranda, o fato de sua chegada ao governo chileno ter coincidido com a candidatura de Bachelet à Secretaria-Geral das Nações Unidas pode ser constrangedor para Kast, considerando não apenas suas divergências políticas com a ex-presidente, mas também sua postura tradicionalmente crítica em relação à organização internacional.
A esse respeito, o analista lembrou que o líder do Partido Republicano expressou "uma visão combativa das Nações Unidas" em campanhas eleitorais anteriores, que, embora não tão radical quanto a de alguns outros líderes da região, enfatizou os "problemas de eficiência" da organização.
O especialista também ressaltou que dar muita ênfase ao apoio à candidatura de Bachelet poderia "criar atritos" com as próprias plataformas de campanha que levaram Kast à presidência, como o foco nos problemas internos do Chile e até mesmo a restrição ainda maior das políticas de imigração do país.
Assim, Aranda acredita que o "cenário mais provável" é que, uma vez no poder, Kast opte por "permanecer um tanto à margem" da discussão regional sobre o cargo na ONU, sem apoiar nenhum dos candidatos concorrentes. Segundo o especialista, esse cenário "será complexo para a candidatura de Bachelet".
Embora tenha reconhecido os "méritos" de Bachelet para o cargo, Aranda lamentou que o governo Boric não tenha "discutido a resolução mais internamente" antes de apresentar publicamente o nome dela, a fim de evitar que uma mudança na orientação política marginalizasse a ex-presidente, que já ocupou o cargo duas vezes.
"Houve uma falta de discussão interna que teria garantido que não estaríamos neste estado de incerteza agora", comentou.
Uma região fragmentada
Embora as Nações Unidas ainda tenham meses pela frente antes de finalizar a escolha do sucessor de António Guterres, de Portugal, 2026 poderá ser um ano particularmente difícil para a ex-presidente chilena angariar novos apoios.
Além da potencial nova aliança entre Kast, o argentino Javier Milei e o equatoriano Daniel Noboa, o novo ano poderá trazer mudanças decorrentes das eleições presidenciais na Colômbia, no Peru e no Brasil.
Para Aranda, um dos maiores desafios para Bachelet é o número de candidatos latino-americanos que já surgiram, dificultando a possibilidade de amplos acordos regionais para candidaturas conjuntas.
"Tenho a impressão de que os votos serão fragmentados, embora eu aposte que, eventualmente, será buscado um candidato com maior consenso. Teremos que ver quem será."
É nesse ponto que as posições que os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas possam assumir também se tornam importantes, um passo fundamental no caminho para se tornar secretária-geral, já que os membros podem vetar nomes com os quais discordem.
Aranda focou na possível postura dos Estados Unidos em relação a uma potencial candidatura da chilena.
"Certamente, se fosse um governo com raízes democráticas profundas, eu diria que Bachelet teria mais chances, dada a sua experiência em ter produzido relatórios sobre direitos humanos na China e na Venezuela", comentou o especialista.
No entanto, isso não parece estar na agenda da atual administração de Donald Trump, alertou o analista.
Por Sputinik Brasil