ACORDO COMERCIAL

Se inserir ou ser engolido? O que seria bom e ruim para o Brasil no acordo Mercosul-União Europeia

Por Sputnik Brasil Publicado em 19/12/2025 às 16:47
© AP Photo / Matilde Campodonico

Acordo entre dois blocos pode abrir mercado internacional para o Brasil, mas atrasar seu desenvolvimento industrial; busca para fechar o acordo se deve a disputa comercial entre EUA e China

Neste sábado (20), Foz do Iguaçu sedia a Cúpula do Mercosul, encontro que reúne os chefes de Estado do bloco sul-americano. Era esperado que o acordo entre a União Europeia fosse assinado neste dia, mas sua assinatura foi adiada para janeiro de 2026 a pedido da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni.

Fruto de mais de duas décadas de negociações marcadas por avanços, impasses e revisões, o tratado é considerado um dos mais ambiciosos já firmados pelo bloco e pode redefinir as relações comerciais entre as duas regiões.

A Sputnik Brasil elencou quais são os pontos mais sensíveis no tratado entre os dois blocos, quais são os mais vantajosos para os europeus e quais são os mais prejudiciais para os sul-americanos.

Entrada no mercado europeu

Para Flávia Loss, doutora em relações internacionais pela Universidade de São Paulo (USP) e professora de relações internacionais pelo Instituto Mauá de Tecnologia, o claro benefício para o Mercosul seria sua maior penetração no mercado europeu.

A América Latina hoje corresponde a cerca de 3% do comércio internacional, desde commodities a manufaturados. "É um padrão bem baixo", resume.

Segundo os termos do acordo, produtos do Mercosul teriam tarifas reduzidas ou zeradas dentro de cotas específicas. A carne bovina, por exemplo, entraria no mercado europeu com uma tarifa de 7,5% dentro de uma cota de 99 mil toneladas por ano. No ano passado, países do bloco sul-americana exportaram 206 mil toneladas para a UE.

Já as aves teriam tarifas zeradas dentro de 5 anos para uma cota de 180 mil toneladas. Por sua vez, produtos europeus também teriam tarifas gradualmente eliminadas ou reduzidas.

Além dessa maior inserção no mercado internacional para o Mercosul, do outro lado o acordo também traria vantagens aos europeus, em especial aqueles que vendem produtos de alta tecnologia como a Alemanha.

Isso resultaria em uma perda de espaço, das indústrias brasileira e argentina, para as europeias. "Elas estão defasadas e está havendo um processo de desindustrialização nos dois países", comenta Loss. No entanto, uma solução poderia ser a criação de associações e joint ventures para se manterem firmes frente aos europeus.

Barreira ou adequação?

Se a Alemanha aparece como principal força europeia a favor da assinatura do acordo, países como Bélgica, França e Itália, com setores agrícola ativos politicamente, estão receosos com uma possível "inundação" de produtos agrícolas no mercado europeu. Para Loss, no entanto, essas preocupação são infundadas.

"Apesar de sermos mais competitivos, a gente vai esbarrar em um monte de normas fitossanitárias, ou seja, caem as barreiras tarifárias, mas o protecionismo europeu levanta outras, as fitossanitárias e ambientais."

As legislações europeias deste tipo são mais pesadas quando comparadas às "mercosulinas", o que em primeiro momento seriam um choque aos produtores sul-americanos. Mas no longo prazo, é uma oportunidade para que o agronegócio da região se modernize, até para não ser "engolido".

Embora esse ponto seja visto como algo negativo, a professora acredita que isso traria um novo olhar para o meio ambiente como área fundamental da economia.

Afinal, é positivo ou negativo?

Em sua fala à Sputnik Brasil, Loss conclui que o acordo entre Mercosul e União Europeia seria vantajoso não só pelos benefícios econômicos – ou apesar dos riscos as indústrias – mas por conta do cenário global de hoje e suas disputas geopolíticas.

Como a professora lembra, o acordo entre blocos começou a ser discutido em 1995, durante o governo de FHC, passando pelo dois primeiros mandatos de Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro até o terceiro governo de Lula.

"O que mudou nesse meio tempo? É a posição ideológica? Não. É um pragmatismo de que o mundo mudou muito e que o Brasil precisa de novos parceiros comerciais, novos aliados políticos no sistema internacional e que esse acordo vai muito além do comércio. Ele abre mercados que são importantes e difíceis, mas ele também coloca o Mercosul e, consequentemente, o Brasil numa outra posição no cenário internacional."

Nos últimos anos, o acordo se tornou ainda mais urgente para a União Europeia, presos no meio da disputa comercial entre Estados Unidos e China. De quebra, o acordo de livre comércio aumenta a influência da América Latina na Europa.

"Por isso que os outros países da UE estão brigando para que o acordo saia. Porque ele é importante num contexto maior, que vai além do comércio, que envolve justamente política, política internacional."