ORIENTE MÉDIO

O que está por trás do interesse israelense ao insistir na desmilitarização do Hezbollah?

Por Sputinik Brasil Publicado em 17/12/2025 às 21:25
© AP Photo / Hassan Ammar

Israel descumpriu, nas últimas semanas, o acordo de cessar-fogo com o Líbano, escalando ataques contra o vizinho do norte. A intenção declarada pelas autoridades de Tel Aviv segue sendo o desmantelamento do braço armado do Hezbollah. Entretanto, há outros projetos concomitantes à ofensiva?

No final de novembro, Israel informou que um dos líderes do Hezbollah foi morto após um ataque das Forças de Defesa de Israel (FDI). A morte de Haytham Ali Tabatabai, a segunda figura mais importante da hierarquia do movimento libanês, foi confirmada pelo grupo.

A escalada das tensões, que envolvem ataques no sul do Líbano e na capital Beirute, interromperam um cessar-fogo firmado no ano passado. Diante da situação alarmante entre os países, o Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, ouviu especialistas na tentativa de responder a pergunta de um milhão de dólares: o que Israel quer com o Líbano?

Karina Calandrin, professora de relações internacionais do Ibmec São Paulo, destaca que Israel, que possui o maior poder na região, quer negociar com um Líbano não ligado ao Hezbollah. No começo de dezembro, inclusive, foi realizada a primeira negociação civil entre israelenses e libaneses, "algo que nunca tinha acontecido desde a primeira incursão israelense ao Líbano nos anos 1980".

Embora o conflito entre Israel e o Hezbollah seja evidente, o Líbano possui uma cartografia de poder complexa, o que faz com que Beirute não veja completamente Tel Aviv como um inimigo. Pelo contrário, dentro do próprio Líbano, segundo ela, o movimento xiita não é um consenso e existem mobilizações interessadas na desmilitarização do Hezbollah.

Já Murilo Meihy, professor de história comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do livro: "Os Libaneses", acredita que por trás da ofensiva histórica de Israel contra o Líbano há objetivo de "anexação máxima do seu território", em especial o sul do Líbano.

"Há um território de disputa nesse momento entre Líbano, Israel e Chipre, que é o território marítimo do Mediterrâneo Oriental, quando a partir dos anos 2000 se descobre grandes reservas de petróleo e gás offshore no mar Mediterrâneo Oriental".

Nesse contexto, Meihy pontua que Israel conta, inclusive, com o apoio da União Europeia para ganhar a maior parte deste território para a exploração de gás.

Além disso, o analista destaca também a questão do desarmamento do Hezbollah como motivação explicitada pelo governo israelense para retomar os ataques, algo também já colocado na conversa por Calandrin.

"Uma das alegações do Estado de Israel na quebra do cessar-fogo é que o Exército libanês não estaria fazendo o suficiente para desarmar o Hezbollah, uma condição para o cessar-fogo, o que é completamente fantasioso."

O Líbano precisa do Hezbollah para continuar existindo?

De acordo com Meihy, em partes, a existência do Hezbollah é importante para a manutenção do Líbano enquanto Estado. Desde o fim da guerra civil até que o Exército libanês se reorganizasse, houve um "entendimento tácito" que o sul do país seria defendido pelo Hezbollah, uma vez que o grupo tem armamento para fazer essa contenção do avanço israelense.

Agora, com o projeto em curso de desmilitarização do Hezbollah pedido por Israel com anuência da ONU, o que se vê, segundo o analista é a invasão do território libanês por parte de Israel, que "continua atacando esse território e agora não respeita sequer a tentativa do Exército libanês em ocupar essa região".

"Sem o Hezbollah, é ruim, com o Hezbollah era menos ruim, mas ninguém sabe para onde vai."

Apesar da situação vigente, como já pontuado, o grupo xiita não é um consenso no Líbano e atualmente a negociação do desarmamento do Hezbollah está em curso entre os governos de Israel e Líbano. Na ocasião, o Hezbollah permaneceria como força política dentro do país, sem seu braço militar. Chegar a este acordo, entretanto, é um impasse, conforme os analistas.

Calandrin afirma que não vê o Hezbollah entregando as armas, uma vez que suas atividades domésticas e de combate dependem disso. Além disso, ela destaca que enquanto grupo político o movimento xiita também foi importante no país para a garantia de direitos para a população xiita.

"O Hezbollah surge como um grupo político, um partido político posteriormente que vai levar até assistencialismo, programas sociais para essa comunidade que não tinha até mesmo apoio do Estado. Não tinha acesso, por exemplo, a programas estatais, a educação, a saúde, a emprego, políticas realmente de assistência social que o governo não fornecia e o Hezbollah passou a lutar por essas pessoas, inclusive do ponto de vista armado", explica.

No entanto, embora seja um arranjo complexo, a analista acredita que as negociações civis por enquanto, podem contribuir para uma diminuição nas tensões na região. Além disso, a proeminente saída do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em eleições que se aproximam em Israel, pode também mudar a forma de negociação sobre o território.