CHUVAS

Após um ano, centro de Porto Alegre tenta virar página das inundações

Geral, 1 ano chuvas no Rio Grande do Sul

Publicado em 27/04/2025 às 08:32

As muitas imagens chocantes das enchentes de maio de 2024 , que arrasaram o Rio Grande do Sul , a inundação do Mercado Público de Porto Alegre , o mais antigo do Brasil, estão entre as mais marcantes .

As águas do Guaíba invadiram o prédio icônico da capital gaúcha ainda na manhã do dia 3 de maio daquele ano , obrigando os comerciantes a fecharem as lojas rapidamente.

Aquelas águas subiriam por mais de 1,5 metro de altura , superando a enchente de 1941, até então a maior já vista.

Porto Alegre (RS), 26/04/2025 – A comerciante Carolina Kader fala com a reportagem da agência Brasil, em sua loja no mercado municipal. Um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tendo bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Porto Alegre (RS), 26/04/2025 – A comerciante Carolina Kader conta como foi a inundação. Foto:  Joédson Alves/Agência Brasil

Ninguém imaginava a dimensão da catástrofe e as perdas foram quase totais .

“Quando avisaram que a água ia subir, todo o mundo basicamente fechou as bancas, algumas pessoas tiraram algumas coisas e nós erguemos balanças, produtos e outros equipamentos a cerca de um metro do chão”, conta Carolina Kader, proprietária de uma loja de insumos e artigos para confeitaria no mercado.

“Era uma sexta-feira, a gente achou que voltaria no fim de semana pra limpar, a água teria baixado, e reabriríamos normalmente na segunda”, relata.

Ela só conseguiria retornar, assim como todos os demais permissionários, no dia 29 de maio, quase um mês após a inundação do ano passado.

O Mercado Público só começaria a reabrir de forma gradual em meados de junho , após 41 dias de fechamento.  

Inaugurado em 1869, o local tem 155 anos de existência. Além de ser o principal centro de abastecimento de alimentos da cidade, o prédio é um ponto turístico, principalmente pela atividade gastronômica .

Porto Alegre (RS), 26/04/2025 – O vice-presidente da associação dos lojistas do Mercado Municipal, Jefferson Sauer, fala com a agência Brasil, sobre a recuperação do mercado. Um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tendo bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Porto Alegre (RS), 26/04/2025 – O vice-presidente da Associação dos Lojistas do Mercado Público, Jefferson Sauer, diz que os bancos resistiram à tragédia. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Localizado no centro histórico da cidade, oferece opções de alimentos in natura , como carnes, peixes, frutos do mar e frutas, bem como produtos de confeitaria, vinhos, erva-mate, artigos religiosos, e pratos e lanches em restaurantes e bares.

"Quem visita uma cidade e quer conhecer um pouco da cultura daquele lugar, é no Mercado Público que ele vai entender. Aqui é uma expressão das tradições gaúchas", afirma Jefferson Sauer, sócio da Banca 43, que tem 70 anos de história e vende queijos, vinhos, azeites, linguiças e embutidos.

Sauer, que é vice-presidente da Associação dos Permissionários do Mercado Público de Porto Alegre, comemora o fato de que, após uma crise tão extrema, todos os bancos conseguiram resistir e seguir adiante .

Ao todo, são 102 permissionários.

“São cerca de 800 empregos diretos”, aponta o empresário.

Um lugar democrático

No Mercado Público, uma variedade de produtos e especiarias é um dos diferenciais.

“O cliente chega e pode escolher aquele corte específico, se orientar sobre a melhor parte de um bacalhau de acordo com o prato que ele quer fazer”, diz Ronaldo Pinto Gomes, um dos coordenadores da administração do prédio pela prefeitura.

Além disso, destaca o gestor, todo o mundo tem o que comprar ali.

"É o espaço mais democrático que existe nessa proposta de abastecimento de alimentos. Você encontra tainha a R$ 11 o quilo e também os queijos, vinhos e azeites mais sofisticados da cidade. Cerca de 60% dos frequentadores são trabalhadores de renda modesta", acrescenta Gomes.

 

Porto Alegre (RS), 26/04/2025 – Vista geral do Mercado Municipal de Porto Alegre. Um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tendo bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Porto Alegre (RS), 26/04/2025 – Vista geral do Mercado Público de Porto Alegre. Foto: J oédson Alves/Agência Brasil

Essa característica tem muito a ver com o fato de o  Mercado Público estar localizado quase em frente a uma das estações da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb), que conecta o centro da cidade com toda a região metropolitana , passando por cidades como Canoas, São Leopoldo, Esteio e Novo Hamburgo.

São mais de 110 mil usuários por dia.

Após as enchentes, o  Trensurb ficou fechado por 7 meses, o que impactou a economia do mercado e de toda a região central da capital gaúcha.

“Uma fração significativa desse fluxo passa pelo mercado, acaba comprando alguma coisa”, explica Ronaldo Gomes.

Estima-se que o Mercado Público receba cerca de 40 mil visitantes por dia .

“Nos tempos gloriosos, eram mais de 80 mil por dia”, conta Jefferson Sauer.

A pandemia já havia alterado o contexto de ocupação do centro histórico, com redução da presença de empresas, bancos e outras corporações. A crise das enchentes acelerou esse processo.  

“A gente tem hoje aqui no centro cerca de 5 mil imóveis desocupados. Então, acredito que a partir da ocupação desses imóveis, no contexto de uma revitalização da área central, do cais do porto, com novos formatos de ocupação, a gente pode recuperar esse público”, aposta o empresário.

Porto Alegre (RS), 26/04/2025 – Vera Regina dos Santos, fala para reportagem da agência Brasil, durante sua visita pela primeira vez ao mercado municipal depois da enchente. Um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tendo bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Porto Alegre (RS), 26/04/2025 – Vera Regina dos Santos voltou a comprar no mercado - Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Quem também voltou foi Vera Regina dos Santos, ex-moradora da capital, mas que atualmente reside em Nova Araçá, na Serra Gaúcha.

A reportagem da Agência Brasil conversou com a aposentada quando ela estava entrando no mercado pela primeira vez depois da reabertura após uma enchente.

“Aqui, sempre foi para mim o meu ponto central de Porto Alegre, eu adoro vir aqui comprar peixe, frutas, chás e legumes”, revelou.

Recuperação gradual

Não há uma estimativa global dos prejuízos entre os permissionários do mercado .

Carolina Kader aponta que a catástrofe causou perdas de R$ 700 mil em produtos e equipamentos em sua banca de confeitaria.

Para amenizar a situação, a prefeitura concedeu desconto de 50% no pagamento da mensalidade das lojas a todos os permissionários .

Mesmo assim, ela avalia que as vendas estão 40% menores que o período anterior, que já vinha ainda repercutindo as baixas causadas pela pandemia de covid-19.

Porto Alegre (RS), 26/04/2025 – O comerciante, Marcellus Gomes da Silveira, fala com a reportagem da agência Brasil, em sua loja próxima ao mercado municipal. Um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tendo bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Porto Alegre (RS), 26/04/2025 – Marcellus Gomes da Silveira, dono de lanchonete, diz que a recuperação das vendas tem sido lenta. Foto:  Joédson Alves/Agência Brasil

No entorno do Mercado Público, a situação é semelhante. Marcellus Gomes, dono de uma lanchonete na Praça XV de Novembro, ainda não sente uma recuperação plena .

“Tem muita gente na cidade que perdeu todas as coisas de casa, tem que comprar tudo de novo e não sobra para gastar na rua”, avalia.

No próximo dia, uma farmácia que ficou completamente arrasada pela inundação  já visualiza um cenário mais positivo .

"Até dezembro, foi muito ruim de vendas. Agora, na Páscoa, foi uma virada. Estamos vendendo esse mês 15% a mais que eu vendi em abril do ano passado", disse o gerente Marcelo Barbosa de Souza.

Segundo a Fecomercio do Rio Grande do Sul , com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), após as enchentes, o comércio encolheu mais de 14% até dezembro do ano passado no estado.

A atividade comercial se manteve nesse patamar até fevereiro deste ano.

As enchentes deixaram 184 mortos e, até o momento, 26 pessoas seguem desaparecidas no estado.

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