ATAQUE HACKER

Todo Sul tem seu Norte: espionagem da Abin em Itaipu revive fantasma do imperialismo brasileiro

Por Sputinik Brasil Publicado em 08/04/2025 às 19:45
© Foto / Joédson Alves/Agência Brasil

A revelação de um suposto ataque hacker, realizado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), contra o governo paraguaio em busca de informações sobre as tratativas do Anexo C da Usina Hidrelétrica de Itaipu prejudica as relações entre os dois países, destacam especialistas à Sputnik Brasil.

Na última semana, foi revelado pelo portal UOL que agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) realizaram ataques hackers contra sistemas da presidência e do Congresso paraguaio para obter informações que auxiliariam na negociação do Anexo C do Tratado de Itaipu.

O documento rege o sistema financeiro que baseia os pagamentos pela energia da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Os depoimentos dos agentes foram coletados durante investigações da Polícia Federal acerca do uso indevido da Abin pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).

A notícia causou um embaraço diplomático entre Brasil e o Paraguai. Em discurso sobre o tema, o presidente paraguaio, Santiago Peña, relembrou as dores da Guerra da Tríplice Aliança, em que o país viu a maior parte de sua população masculina ser morta pelas forças conjuntas de Argentina, Brasil e Uruguai.

Em resposta à crise, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil defendeu que a campanha de espionagem foi realizada durante o governo anterior e foi encerrada assim que a gestão atual soube de sua existência, após Luiz Fernando Corrêa assumir o comando da agência.

À Sputnik Brasil, Stephanie Braun Clemente, pesquisadora do Observatório Político Sul-Americano do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, afirma que a crise diplomática já tem repercussões práticas, nomeadamente a suspensão das negociações em torno do Anexo C.

A continuidade das tratativas agora depende das explicações que o Brasil vai apresentar sobre o ocorrido. O Ministério Público do Paraguai também lançou sua própria investigação sobre o caso, destaca Clemente, para averiguar se as informações obtidas impactaram nas negociações.

"Cabe, então, ao Brasil ser o mais transparente possível ao longo das investigações, de forma a reconquistar a confiança do Paraguai e, com isso, amenizar a crise político-diplomática atual."

Para a cientista política e doutoranda em relações internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Beatriz Bandeira de Mello, em resposta às ações brasileiras, o Paraguai pode endurecer sua posição nos trâmites do Anexo C.

A relação entre os dois países é permeada pela assimetria a respeito da energia fornecida por Itaipu, diz Bandeira de Mello, e desde que assumiu o governo paraguaio, Peña tem como prioridade a renegociação das taxas.

"E para isso vem se aproximando do governo brasileiro justamente para tratar essa equação, porque para o Paraguai seria interessante dispor dessa energia para poder vender nos mercados internacionais e parar de depender tanto do Brasil na compra dessa energia."

O mesmo também aponta Stephanie Clemente, afirmando que o Paraguai pode usar esse episódio como "forma de barganhar melhores condições e definir uma margem de ganho para si".

"Afinal, o Brasil geralmente possui maior margem de barganha e as demandas paraguaias tendem a ser atendidas de maneira insuficiente", destaca.

Uma postura imperialista do Brasil

Em entrevista à Sputnik Brasil, Renata Alvares Gaspar, consultora jurídica da Massarente Gaspar Advocacia e diretora acadêmica da Escola de Altos Estudos em Direito Internacional (Edrin), ressalta que o Brasil, ao errar sua manobra no campo diplomático, pode se ver se defendendo no campo do direito internacional.

"Quando ocorre uma espionagem dessa natureza, pode ser compreendido como uma invasão de território", explica a especialista. "Entrar nos sistemas de governo estrangeiro, sem autorização e para obter informações, isso é invasão de território."

Devido a seu tamanho geográfico e populacional, e sua economia que tende a respingar em toda região, o Brasil é muitas vezes visto como imperialista, diz Gaspar. E o episódio da espionagem da Abin contra a presidência paraguaia só piora essa visão.

"É uma postura de países que adotam política de império. O império não cumpre direito, ele faz o que acha que deve fazer. Então, sem sombra de dúvida, esse episódio pode agravar essa percepção dos países da América do Sul em relação ao Brasil."

O pesquisador do Observatório de Regionalismo (ODR) Heitor Erthal ressalta que o terreno da política externa demanda uma "certa previsibilidade dos atores". "Os Estados são autores autônomos, com gerência das suas questões internas, e não deveriam sofrer gerências externas de suas negociações."

Segundo o especialista em política externa brasileira, "o fantasma do imperialismo brasileiro ronda a diplomacia regional".

O Brasil é de fato um país que possui muito mais capacidade do que seus vizinhos, desde capacidade econômica e populacional à superioridade militar. No entanto, desde os anos 1980 e 90 o país vem tentando acabar com essa imagem. "Um exemplo clássico disso é o programa nuclear Brasil–Argentina", comenta Erthal.

"Então esse episódio retoma o tema para o debate da política internacional regional. Traz de volta o burburinho sobre o imperialismo brasileiro."