Marinha abre águas territoriais para estudo que pode tornar previsões do clima mais precisas (VÍDEO)

À Sputnik Brasil, professora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, que colabora com o projeto, explica que o objetivo do estudo é obter uma melhor compreensão da circulação das massas d'água no Atlântico Sul, que, entre outras coisas, pode tornar as previsões do tempo mais precisas.
A Marinha do Brasil autorizou em março a realização de um projeto científico em águas jurisdicionais do país.
Segundo a portaria que autorizou o projeto, intitulado SACO-10W-14S, o estudo tem como objetivo central estudar as fontes, trajetórias, estado médio e variabilidade interanual da circulação meridional do Atlântico.
A pesquisa está prevista para ocorrer entre 9 de abril e 19 de maio, e é liderada pelo navio de pesquisa oceanográfica espanhol Hespérides, com colaboração de instituições brasileiras, entre elas, o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP).
Em entrevista à Sputnik Brasil, Olga Sato, professora associada do IOUSP, comenta a importância do projeto para compreender a chamada circulação de revolvimento meridional (MOC, na sigla em inglês) bem como o impacto da temperatura dos oceanos sobre o clima.
Sato explica que, em termos globais, os oceanos têm impacto no clima por conta da grande capacidade da água de armazenar calor, que acaba transportado junto com as correntes. Nesse contexto, um dos objetivos do projeto é compreender melhor como o clima é afetado por variações observadas nos oceanos.
"Então você tem essa propriedade, que é o calor, que é armazenado dentro dos oceanos. E, com o passar do tempo, essa água é transportada e, dependendo de como você movimenta essa água, você tem a estimativa se você está tendo maior transporte de calor ou menor transporte de calor. Então isso é uma coisa importante para a gente entender que o clima é grandemente afetado por variações que nós observamos nos oceanos", afirma.
Ela acrescenta que, dentro desse cenário, o Atlântico, especialmente o Atlântico Sul, onde será realizado o projeto, tem uma importância muito grande, porque se conecta com vários oceanos.
"Para o norte do Equador tem o Atlântico Norte, para o sul tem o Pacífico, que conecta com o Atlântico Sul através da passagem de Drake, que conecta com a Antártica, e tem também a conexão do lado da parte sul do continente africano, que você tem a água que vem do Índico, joga um pouco de água do oceano Índico para o oceano Atlântico. E parte dessa água toda que circula no Atlântico Sul é levada pela circulação oceânica e pelas massas d'água, é levada para o Atlântico Norte."
Uma vez que essa água chega ao Atlântico Norte, afirma a especialista, ela entra em contato com a região onde foi formada primeiro, que é a região do Ártico, perto do mar da Groenlândia, causando um resfriamento muito grande das águas oceânicas naquela região.
"Porque você tem aquele ar continental muito gelado, vindo do Canadá, então essa circulação muito forte e muito fria, ela faz com que a água da superfície naquela região esfrie tremendamente e afunde até atingir o fundo dos oceanos", afirma.
Sato explica que há toda uma conexão da circulação oceânica, com a movimentação norte-sul, levando água para o norte, que afunda para o fundo dos oceanos, configurando a chamada circulação de revolvimento meridional (MOC, na sigla em inglês), sendo meridional porque abrange norte-sul e revolvimento porque revolve, mexe no sentido vertical. E o Atlântico-Sul é palco onde essas coisas acontecem.
"Ela [água] é modificada nessa região também, é a região onde você tem a volta dessa água que está vindo lá do Índico, você tem essa água indo para o Atlântico Norte e é por isso que hoje nós temos grandes iniciativas de estudo dessa circulação voltadas para o Atlântico Sul principalmente. Nós estamos preocupados em entender como que essa célula de revolvimento meridional funciona, o que ela está trazendo. Ela está trazendo mais calor, menos calor?", observa.
Ela afirma que é por isso que o cruzeiro espanhol se destacará para a região, para fazer esse monitoramento no local, e acrescenta que na USP também há uma rede de monitoramento.
"Aqui na USP temos uma rede de monitoramento também em 34,5º Sul e o pessoal americano e os ingleses têm uma rede de monitoramento em 26º Norte. Então nós estamos realmente preocupados e tentando entender também, não só ficar esperando o que será que vai acontecer com o clima, mas também entender por que as coisas que estão acontecendo estão acontecendo, como que são os mecanismos, como é que as coisas estão sendo modificadas e como que isso é colocado em diferentes regiões dos oceanos."
A professora frisa que o IOUSP faz colaborações com os pesquisadores espanhóis envolvidos no projeto SACO-10W-14S, mas não está diretamente envolvido no estudo. Ela destaca que a colaboração nesse sentido é importante porque as informações que serão levantadas pelo projeto serão publicadas, permitindo ampliar a compreensão, a evolução da circulação das massas d'água na região.
"O ganho que nós vamos ter é justamente isso, que a gente vai poder daqui para frente elaborar projetos de pesquisa em colaboração, nós vamos poder colaborar justamente nessa troca de informações, troca de pessoal, capacitação de estudantes. Um ganho que eu realmente valorizo muito nesse ponto da minha carreira é poder justamente submeter um projeto de pesquisa que a gente possa ir lá, conseguir verba para poder financiar um cruzeiro dessa magnitude, por exemplo, utilizando verba das agências aqui do Brasil para poder liderar esse tipo de pesquisa, que é muito importante."
Sato afirma ainda que já existem vários centros de pesquisa no mundo que desenvolvem modelos de circulação oceânica que futuramente podem tornar as previsões do tempo mais precisas.
"Imagina a versão da atmosfera, as pessoas têm muita noção, ou têm uma noção melhor do que são os modelos de previsão de tempo, porque é do nosso dia a dia. Você vai lá, liga [a TV] e, vendo a previsão do tempo, sabe quanto que vai ter de temperatura, se vai esquentar, vai esfriar, se vai ser uma estação mais chuvosa, mais quente, mais seca. Você consegue fazer previsões, e por quê? Porque a meteorologia tem muito mais estações para coletar esses dados, você pode colocar estações meteorológicas nos continentes, tanto é que regiões onde você tem muito mais água do que continente, as previsões tendem a falhar mais", afirma.
A especialista considera que nos últimos dois anos houve mais incentivos a pesquisas, com mais editais sendo abertos por agências de fomento federal e estadual.
"No eixo federal nós temos o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], que no ano passado lançou vários editais, inclusive não há editais específicos para oceano, a gente compete com todas as áreas. Mas, de qualquer forma, ano passado eu escrevi dois projetos para o CNPq e fui contemplada com ambos, e que são justamente voltados a essa colaboração com pesquisadores internacionais e pesquisadores brasileiros que moram no exterior, para nós fazermos uma colaboração, para tentarmos entender melhor justamente essa temática."
Já no âmbito estadual, ela cita incentivos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que lançou um edital chamado Projeto para o Atlântico Sul e Antártica, visando aumentar o interesse e os estudos relativos à conexão entre o Atlântico Sul e a Antártica. Ela afirma que esses incentivos são importantes porque as pesquisas relativas à oceanografia são caras, pois, entre outras coisas, envolvem cruzeiro, tripulação e combustível.
"Eu sinto que os pesquisadores brasileiros conseguem fazer [muito], nós somos muito competentes, porque a gente consegue fazer muita coisa, nós estamos publicando nas melhores revistas de impacto na nossa área, mas realmente tendo um mínimo de incentivo, de financiamento para poder fazer, e a gente tem conseguido fazer isso. Se a gente tivesse um nível de investimento parecido com o que a gente chama de Norte Global eu acho que a gente faria [muito mais]. É inacreditável o quanto nos impulsionaria para ter um desenvolvimento melhor."
A professora destaca que está envolvida em outros projetos que têm como objetivo justamente a distribuição de dados oceanográficos, e cita como exemplo o GOOS-Brasil.
"[...] eu faço parte de um outro grupo aqui, a nível nacional, que é o GOOS-Brasil, o Global Ocean Observing System, que é uma forma também de distribuir e colocar adiante [os dados], fazer as pessoas terem acesso aos dados dos projetos coletados por essas missões que tem aqui no Brasil."
Por Sputinik Brasil