RELAÇÕES EXTERIORES

EUA podem tentar, mas confiança da Rússia 'nunca será retomada', dizem analistas (VÍDEO)

Publicado em 21/02/2025 às 19:29
© Sputnik / Sergey Bobylev / Acessar o banco de imagens

Antes mesmo de retornar à Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mantém uma boa relação com o presidente russo, Vladimir Putin. Agora que assumiu, o estadunidense rapidamente ordenou a retomada do diálogo com a Rússia. Por que? É apenas uma questão de afinidade pessoal entre grandes líderes ou há algo mais?

Nem sempre a relação entre o Moscou e Washington foi boa. Pelo contrário, chega a ser difícil encontrar momentos de proximidade entre as duas potências na história, especialmente após a Revolução Russa.

No entanto, a situação teve um breve revés com a chegada do executivo Donald Trump à Casa Branca. Se afirmando um admirador do presidente da Rússia, Vladimir Putin, o estadunidense manteve um canal aberto com sua contraparte do Kremlin, com diversas conversas telefônicas e alguns encontros presenciais.

Dada a boa relação, Trump afirma reiteradamente que a situação na Ucrânia não teria se deteriorado para um conflito entre os dois países europeus.

Por conta disso, não é de se esperar que desde que retornou à presidência, o norte-americano retomou o diálogo com a diplomacia russa — com uma reunião de alto nível já ocorrendo em Riad por intermédio da Arábia Saudita — e uma chamada entre os dois presidentes.

Ambos contatos tiveram como foco a retomada das relações diplomáticas e econômicas entre a Rússia e os Estados Unidos, a partir da conclusão de um acordo de paz que encerre o conflito ucraniano.

Na mídia ocidental, análises rasas condicionam essa proximidade a uma mera afinidade pessoal entre Trump e Putin. Contudo, à Sputnik Brasil, especialistas nas relações entre os dois países apontam para motivos mais profundos, desde preocupações com a hegemonia do dólar à segurança geopolítica dos EUA.

EUA já perderam demais

Em entrevista à Sputnik Brasil, o professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Rússia (Prorus), Fred Leite Siqueira, afirma que o que está por trás do cortejo de Trump a Putin são motivos puramente econômicos para benefício dos próprios EUA. "Os norte-americanos olham apenas para o seu próprio bico", conta.

"Do ponto de vista dos Estados Unidos, hoje, a aproximação com a Rússia é estratégica em termos econômicos e em termos políticos", afirma Siqueira.

Isso porque, tanto por estimativas estadunidenses Washington já queimou mais de US$ 300 bilhões na Ucrânia, quanto por todo dinheiro perdido ao impor sanções econômicas à Rússia e se abster desse comércio.

"Entretanto, o que Trump quer mesmo, mais do que qualquer coisa, é manter o dólar como moeda internacional."

"Os Estados Unidos serem o dono da moeda internacional é uma vantagem gigantesca. E é essa vantagem que faz os Estados Unidos serem temidos e poderosos", explica o especialista. Hoje, entretanto, essa primazia é ameaçada pelo movimento da desdolarização das finanças globais, que vê a substituição do dólar estadunidense como moeda padrão do comércio mundial.

Fortalecido especialmente depois que a Rússia — quarta maior economia do planeta — foi alvo das sanções euroatlânticas, essa iniciativa é encabeçada pelo BRICS, grupo de países do Sul Global que busca reformar a governança política e financeira global.

Com exclusividade à reportagem o jurista editor da Autonomia Literária e analista geopolítico, Hugo Albuquerque destaca que o movimento de desdolarização já não é mais falado apenas por oponentes geopolíticos dos Estados Unidos, mas seus próprios aliados se assustaram com o uso do dólar enquanto arma financeira.

"Não é uma uma situação fácil para os Estados Unidos. Trump e o [vice-presidente dos EUA] J.D Vance perceberam é que não tem como você evitar a desdolarização com a política sancionatória muito ortodoxa, como [ex-presidente Joe] Biden fez."

Dessa forma, explicita Siqueira, o que Trump quer é trazer a Rússia de volta para a neutralidade, isto é, não alinhada com a China.

Rússia se voltará para o Ocidente?

A retomada das relações norte-americanas com a Rússia, entretanto, não é a única iniciativa de Trump nesse sentido. O líder da Casa Branca fala também em retomar as reuniões do formato G8, que abarca os países do G7 e a Rússia. Notavelmente, nenhum outro país do BRICS, como a China e a Índia — segunda e terceira maior economia do mundo — estão incluídas no G7.

Ou seja, diz Siqueira, representa uma tentativa de afastar a Rússia dos aliados orientais, trazendo-a para uma neutralidade geopolítica como modo de "combater a concorrência chinesa".

Segundo Albuquerque, Trump reconhece que há multipolaridade está emergindo no mundo e sua política de retomada a das relações com russo-americanas vem como uma forma de "negociar um entendimento onde os EUA caibam nesse acordo" da China com a Rússia.

"E quem o Trump escolheu para ser sacrificado é a Europa, a Europa é o bode expiatório."

"Mas aquela confiança de antigamente nunca vai ser retomada", crava Albuquerque, explicitando que os EUA não seriam capazes de rachar a relação entre Rússia e China, ainda que o peso de sua economia influencie os fluxos de valores. "Então não acho que a Rússia vai cair na isca, mas isso também tem um efeito sim real, o qual a gente não pode ignorar."

O mesmo diz Siqueira, que afirma que do ponto de vista russo "fazer qualquer tipo de distensão política com a China não está em pauta".

"Hoje existem três países independentes. Três, que são donos do seu próprio nariz. E esses países são a China, os Estados Unidos e a Rússia."


Por Sputinik Brasil