CONFLITO UCRANIANO

Análise: conta chegou para a Ucrânia e Zelensky tenta pagar Trump com recursos que não possui

Publicado em 20/02/2025 às 15:05
© AP Photo / Omar Havana

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam que as reservas de minerais raros que Zelensky tentou barganhar em troca da manutenção do apoio dos EUA a Kiev estão em zonas russas, e é improvável que Trump aceite a proposta, pois levaria ao prolongamento do conflito que ele deseja encerrar.

O presidente dos EUA, Donald Trump, propôs recentemente condicionar a ajuda financeira enviada à Ucrânia ao acesso às reservas de minerais raros essenciais para a produção de tecnologias como baterias, smartphones e veículos elétricos. A proposta de Trump era alcançar US$ 500 bilhões (cerca de R$ 3 trilhões) em exploração dos minerais.

A Ucrânia tem algumas das maiores reservas europeias desses minerais, e recentemente, em entrevista à mídia norte-americana, Zelensky afirmou que Kiev estava pronta para negociar um acordo com os EUA para a troca desses recursos por armas.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Tito Lívio Barcellos, mestre em estudos estratégicos de defesa e segurança e membro pesquisador do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), afirma que a proposta ilustra a mudança na relação dos EUA com a Ucrânia sob a gestão Trump.

Segundo ele, na gestão de Joe Biden houve uma liberação de linhas de crédito em sucessivas vezes para a Ucrânia, que incluía não apenas armas, mas também verbas para o funcionalismo público ucraniano, uma vez que Kiev não tinha mais sequer orçamento capaz de providenciar os serviços públicos. Agora, Trump mira uma compensação aos cofres dos EUA, por conta do volume financeiro e material enviado para a Ucrânia.

"Assim como esse discurso [de Trump] é carregado de uma visão estritamente empresarial, é como se fosse um investimento, só que um investimento em uma guerra que já dura três anos e que ceifou centenas de milhares de vidas, e está colocando um país inteiro em um caos político, econômico e até demográfico sem precedentes", afirma.

Ele observa que Zelensky chegou a chamar repórteres internacionais para mostrar a eles um mapa indicando a localidade das reservas e "prometendo o leilão das zonas de concessão".

"Enquanto uma guerra está em curso, ele já está negociando a privatização dessas áreas de mineração, a concessão dessas minas para empresas estrangeiras norte-americanas e europeias. E, claro, com o objetivo de que esses países continuem enviando volumes de armamentos para que a guerra continue, ou seja, é uma medida que não interrompe o conflito. Isso não é uma medida de apaziguamento, isso é uma medida de prolongamento do conflito."

Barcellos destaca que na coletiva ficou evidente que a maior parte das reservas minerais oferecidas por Zelensky está em território russo, na região de Donbass. Ele acrescenta que muitos moradores da região também se opõem à exploração.

"Então fica difícil você querer negociar um ativo que você não dispõe [...]. Curioso que o próprio Zelensky, o próprio gabinete do Zelensky, já admite a impossibilidade de restaurar as chamadas fronteiras de 91, que seria expulsar as tropas russas de todos os territórios 'ocupados', incluindo o Donbass e a Crimea [...]. Ele mesmo já considera essa proposta irrealista. Só que se ele está usando os depósitos minerais como barganha para a continuidade da guerra, então o que parece é que ele realmente quer que uma nova estratégia seja utilizada para reocupar esses territórios", explica.

Segundo o especialista, é possível afirmar que Zelensky será o grande derrotado do conflito, uma vez que não alcançou seu objetivo de colocar a Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e na União Europeia (UE) e perdeu não apenas partes do território ucraniano, que optaram pela adesão à Rússia, como também as reservas de minerais raros neles existentes.

"O futuro político do Zelensky é muito nebuloso e talvez até perigoso, porque, além de ele ter, no início, minimizado a possibilidade de guerra, [...] no final de 2021, em janeiro de 2022, o Zelensky vai fazer várias aparições na TV desmentindo possibilidade de guerra, de que isso eram factoides até, criados pela imprensa. Depois, ele tentou uma campanha internacional, [...] patrocinada, incentivada pelos EUA, pela OTAN e pela UE, para unir o mundo em volta da causa ucraniana e para isolar a Rússia [...]. Hoje, as chagas, cicatrizes, as feridas da guerra da Ucrânia são muito graves. Então, você tem casos até de membros do próprio partido do Zelensky que o criticam. Uns questionam a sua competência, outros questionam a sua impulsividade e responsabilidade, outros o problema de corrupção."

Vitor Stuart de Pieri, professor associado do Departamento de Geografia Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por sua vez, afirma ao podcast Mundioka que a Rússia pode enxergar a tentativa de barganha para um eventual acesso dos EUA às terras com minerais raros como uma tentativa de consolidar ainda mais a influência ocidental no espaço pós-soviético.

"Isso já é visto como uma ameaça direta, especialmente nessa área que é uma área de influência tradicional russa. E converge muito também com aquilo que a gente chama, que é a teoria do [cientista político] Nicholas Spikeman, de estratégia de Himmler, que é de cercamento da Eurásia", explica.

Ele afirma ainda que a Rússia pode ver o controle das terras com minerais raros pela Ucrânia, com o apoio dos EUA, como uma tentativa de criar uma dependência estratégica dos países ocidentais em relação a esses recursos críticos.

"Então, isso faz com que se reduza a influência russa no mercado global de terras raras, visto que a Rússia é um dos países mais importantes de produção dos elementos químicos que fazem parte das terras raras, que são elementos importantes para propriedades, que possuem propriedades magnéticas importantes na tecnologia, energia renovável, para questões de defesa, questões médicas etc."

Ademais, ele frisa que, para a exploração das terras ocorrer, o conflito ucraniano teria de continuar, já que elas estão em territórios russos.

"Mas a gente sabe que esse conflito, do ponto de vista militar, é quase que praticamente perdido pela Ucrânia e pelo restante do Ocidente que apoia a agenda do Zelensky."

Pieri também não considera viável que haja um acordo entre Trump e Putin para dividir a exploração das reservas.

"Eu acho que a Rússia tem uma grandeza, especialmente do ponto de vista militar, que não precisa de prometer nada em troca de uma negociação com o Zelensky. E as questões que eles têm em mente em relação à Ucrânia são questões, de certa forma, do ponto de vista russo, legítimas. Tanto na parte do não cumprimento do acordo de Minsk, quanto da presença, da tentativa da presença da OTAN em território ucraniano, do ingresso da Ucrânia na OTAN."

O especialista afirma ainda não acreditar que Trump levaria adiante um acordo com Zelensky por ajuda militar em troca das reservas de minerais. Para ele, o mais provável, levando em conta a agenda externa do presidente estadunidense, é que o conflito se encerre.

"O Trump é menos intervencionista, mas se isso acontecer, a Rússia pode responder a esse aumento da influência dos EUA, mas não é o que tende a acontecer. [...] Eu não acredito que isso ocorra, eu acho muito difícil o Trump, através da perspectiva de mundo que o Trump possui, de que esse conflito continue. É muito possível que eles busquem uma resolução para a questão."


Por Sputinik Brasil