HISTÓRIA

Tlatelolco: conheça o tratado pioneiro que livrou a América Latina dos perigos nucleares

Publicado em 14/02/2025 às 18:10
© Foto / Reprodução / Organismo para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe

Em vigor desde 1968, o Tratado de Tlatelolco instituiu na América Latina e no Caribe a primeira Zona Livre de Armas Nucleares (ZLAN) do mundo em uma região habitada. Seu caráter pioneiro reflete a visão autônoma do continente, que desde muito antes tenta se proteger de "ingerências externas".

Nomeado pelo local em que foi discutido, o bairro de Tlatelolco, na Cidade do México, o Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe estabeleceu a primeira ZLAN em uma área povoada do mundo. Todas as 33 nações da região assinaram o documento, a grande maioria ainda em 1967, data em que foi escrito.

Dentre os compromissos assumidos pelos signatários estão a proibição do desenvolvimento, aquisição, testes e estacionamento de armas nucleares na região, descreve a Organização para a Proibição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (OPANAL), órgão criado para garantir o cumprimento das obrigações.

O modelo de Tlatelolco serviu de inspiração para outras ZLANs estabelecidas depois, como os de Rarotonga e Pelindaba, no Pacífico Sul e África, respectivamente. Seu principal articulador, o ministro das Relações Exteriores mexicano Alfonso García Robles, recebeu em 1982 o prêmio Nobel da paz por seu papel no desenho do tratado.

Primeiramente rascunhado em 14 de fevereiro de 1967, há exatos 58 anos, o acordo de proibição de armas nucleares no continente não pode ser entendido sem o contexto geopolítico da época, com o mundo dividido pela Guerra Fria.

Cinco anos antes havia ocorrido a crise de mísseis de Cuba, um dos momentos em que o mundo esteve mais próximo de uma guerra nuclear. Vendo essa situação, os países da região latino-americana e caribenha decidiram que não poderiam ficar imóveis. No entanto, em vez de se armarem, os países decidiram se assegurar de que ninguém poderia ameaçar o continente com bombas atômicas.

Dessa forma, diz Adriano de Freixo, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos, "o Tratado de Tlatelolco é uma iniciativa latino-americana e se insere dentro do espírito da diplomacia terceiro-mundista".

Uma iniciativa latino-americana

Em sua fala à Sputnik Brasil, o especialista lembra que embora tenha sido desenhado principalmente pelo México, o Brasil também teve um grande papel na elaboração do tratado. "Ele é de 1967", diz, "mas começou a ser negociado antes disso".

"Vale lembrar que antes do golpe de 1964, durante o governo João Goulart, vigorava no Brasil a chamada política externa independente, com o Brasil defendendo na Assembleia Geral da ONU a política dos três Ds: descolonização, desenvolvimento e desarmamento."

Ademais, o tratado possui dois protocolos que estendem as obrigações de garantias de segurança do continente às potências externas. O primeiro protocolo submete todos os países fora da região que possuem territórios por aqui aos mesmos termos, como a França, a Inglaterra, os Estados Unidos e os Países Baixos.

Já o segundo obriga aos Estados que possuem armas nucleares a não minarem os esforços do continente em se manter livre desses armamentos. O termo foi aceito pelos Estados Unidos, União Soviética, China, Inglaterra e França.

"Nesse sentido, o Tlatelolco acaba sendo muito mais uma afirmação de autonomia."

Uma alternativa ao TNP

O Tratado de Tlatelolco surge dentro de um maior contexto de políticas de não proliferação nuclear e, ao mesmo tempo em que estava sendo discutido pelos países latino-americanos, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) também estava sendo debatido em Genebra no contexto das Nações Unidas.

Em entrevista à Sputnik Brasil, a professora e coordenadora auxiliar do curso de relações internacionais da Universidade Paulista, dra. Luiza Januário, destaca que embora busquem o mesmo fim, ambos os acordos vão por caminhos bastante diferentes, tanto que por anos o Brasil se recusou a assinar o TNP.

"O TNP era denunciado, por um caráter discriminatório que não leva realmente a um desarmamento."

Segundo a professora, a ideia por trás do Tratado de Não Proliferação é uma via de mão dupla. Países que não possuíam armas nucleares antes de 1º de janeiro de 1967 se comprometem a não buscar essas capacidades, enquanto países nuclearmente armados devem visar o desarmamento, compartilhando a tecnologia nuclear para fins pacíficos.

Mas em nenhum momento o TNP estabelece prazos, cronogramas ou um plano de trabalho para que haja o processo de desarmamento, explicita Januário.

O mesmo também comenta Freixo, destacando que o TNP visava congelar o status quo em prol das superpotências. "Há um pequeno clube nuclear e esse clube não quer que novos membros ingressem."

"A mão pesa muito mais para impedir que países não nuclearizados tenham acesso a energia nuclear, principalmente para fins militares, e é muito mais branda quando se trata do desarmamento daqueles que já possuem armas nucleares"

Além disso, o acordo negociado em Genebra era visto com suspeitas pela diplomacia brasileira, que via nas salvaguardas exigidas, criadas para verificar se o país não estaria criando armas nucleares, tentativas de prejudicar o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro.

Dessa forma, um dos argumentos das lideranças militares brasileiras para não assinarem o TNP era de que o Brasil já era signatário de Tlatelolco.

O Brasil só ingressa no TNP em 1998, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, cuja política externa era de "aderir a todos protocolos e tratados, participar de todos os fóruns internacionais como forma de intervir atuando por dentro", descreve Freixo.

Dentro de todo esse contexto, Tlatelolco não só busca uma política autônoma de segurança para a região, mas também visa "minar uma tentativa maior de ingerência externa através do TNP", classifica o professor da UFF.

Brasil deve desenvolver armas nucleares?

Hoje, afastado da época da Guerra Fria, muitos retomam o pensamento de que o Brasil deveria desenvolver armas nucleares próprias como forma de calcar sua posição dentro do ordenamento bélico mundial.

Para Luiza Januário, contudo, não há lógica dentro desse pensamento.

"Quem que é o grande inimigo que pode ser combatido com armas nucleares? Qual que é o grande rival?", questiona a especialista.

O desenvolvimento de armas nucleares é um projeto custoso e que seria facilmente identificado internacionalmente. "Embarcar num programa de construção de armas realmente seria um esforço muito grande e que colocaria o país sob grande pressão internacional."

Antes mesmo de haver resultados, o projeto seria identificado internacionalmente, isolando o país geopoliticamente. O projeto, destaca Januário, vai inclusive contra a tradição diplomática brasileira de ser um país pacífico e aberto ao diálogo.

Além do que, diz a professora, argumentos de que a bomba nuclear traz segurança para o país tampouco se sustentam. "Isso gera uma insegurança nos vizinhos, uma instabilidade generalizada."

"O Brasil viraria um pária."


Por Sputinik Brasil