Neodescolonização: não há espaço para bases militares estrangeiras na África em 2025, nota analista
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas afirmam que dar andamento ao processo de neodescolonização e conter o fluxo migratório de jovens são desafios para o continente africano neste ano.

O ano de 2025 promete ser movimentado para a África. Neste ano, o G20 terá como sede a África do Sul, fazendo do país palco das discussões geopolíticas.
Há ainda a expectativa em torno do chamado processo de neodescolonização, no qual países estão rompendo laços militares e de assistência com ex-metrópoles europeias, sobretudo a França, e também há a esperança de muitos países de que o continente repita o excelente crescimento econômico de 2024, que, segundo o relatório Perspectivas Econômicas Africanas 2024, do Banco Africano de Desenvolvimento, ficou em 3,7%, acima da média global de 3,2%.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas fazem um panorama das perspectivas para a África em 2025, destacando a situação em alguns países neste ano.
Eden Pereira, professor de história e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e Relações Sul-Sul (NIEAAS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que o continente africano, por ser uma das regiões mais populosas do mundo, com um grande mercado e quantidade de cientistas e rica em recursos naturais, continuará atraindo interesse de grandes potências, em especial Rússia, China e Estados Unidos.
Segundo ele, os EUA ensaiaram uma aproximação com o continente em 2024, ao passo que China e Rússia já têm agendas consolidadas na região e pretendem expandir a cooperação.
"A China, por causa dos seus projetos econômicos relacionados à iniciativa da Nova Rota da Seda, porque uma série de países africanos já aderiram há muito tempo e agora estão tendo uma renovação de todo o seu parque de infraestrutura, parque industrial [...]. Temos também, com relação à Rússia, uma presença muito importante que tem crescido, [...] ela tem abrangido algumas demandas do continente que a China não tem sido capaz de dar conta nos seus projetos, sobretudo em projetos de infraestrutura energética", explica.
Pereira afirma que os projetos de China e Rússia na África se diferenciam dos projetos dos EUA porque focam o desenvolvimento.
"Essas disputas tendem a se acirrar a partir do ano de 2025, sobretudo porque essa abordagem militar dos EUA [...] se especifica ainda mais com a entrada da administração [de Donald] Trump a partir de agora. Porque Trump [...] vai ter uma política [para a África] que vai ser muito agressiva, muito mais agressiva do que foi, por exemplo, a política da administração [de Joe] Biden."
Para Eden, dois países em especial devem se destacar economicamente em 2025: Senegal e Egito. Ele frisa que o novo presidente senegalês, Bassirou Diomaye Faye, apresentou um plano de 25 anos de desenvolvimento, que abrange toda uma reestruturação política e energética do Senegal, em termos de contratos também envolvendo empresas estrangeiras que operam dentro do país. Por outro lado, ele destaca que o Egito tem desenvolvido uma série de projetos de telecomunicações, abastecimento e energia, que possibilitam que o país se torne um dos principais produtores de manufatura de indústria dentro do continente africano.
"O Egito é um país que, embora não tenha um crescimento econômico que hoje consiga abafar alguns problemas de desabastecimento, porque o país tem uma inflação consideravelmente alta, mas ele é um país com grandes potenciais e que ao longo da atual presidência do presidente egípcio, [Abdel] Fattah al-Sisi, tem passado por um processo de razoável estabilidade econômica."
Mamadou Diallo, mestre em ciência política e doutor em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), enfatiza que o processo de neodescolonização no continente africano deve continuar em 2025, e que se a França e a União Europeia (UE) não quiserem perder mercados na região, terão de "redefinir e redesenhar as parcerias".
"Não tem mais espaço para uma presença de uma base militar francesa no continente africano. [...] Eu espero que a própria França tome a decisão de retirar suas tropas antes que sejam mandados embora, como foi em outros lugares do Sahel."
Ele afirma que a agenda da África do Sul para o G20 segue um pouco a do Brasil, com foco em questões ambientais que são fundamentais para o país e também na reorganização e reestruturação do sistema internacional.
"Acho que as temáticas que foram discutidas no Rio, no G20, elas vão voltar na África do Sul. Vão ser defendidas de uma forma muito mais enfática. Além disso, acho que a questão do racismo, da raça e racismo, acho que vai voltar para a África do Sul. Lembrando que a conferência de Durban [em 2001] foi um pontapé inicial para esses movimentos sobre o combate ao racismo. Acho que esse é um tema que é muito caro à África do Sul devido ao próprio histórico do país pelo apartheid. São questões que são centrais que vão ter um espaço maior."
Sobre a declaração dada pelo secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, no final de 2024, de que países africanos terão assento no Conselho de Segurança da ONU em 2025, Diallo afirma que não basta criar um assento sem mudar a balança de poder na ONU, principalmente no que diz respeito ao poder de veto.
"Teria que mudar o próprio equilíbrio de poder no sentido de que não é somente os países que criaram a ONU ou que lideraram o sistema westfaliano a partir de 1945 que continuam tendo a prerrogativa de decidir [...]. Me parece que essas vagas, sem o peso necessário, a gente vai continuar sendo periférico dentro do sistema."
Diallo afirma ainda que o crescimento econômico da África só será convertido em desenvolvimento quando os africanos se conscientizarem de que "não adianta ter um crescimento econômico sendo que metade das empresas que geram esse crescimento são estrangeiras" e vão levar para seus países de origem o lucro gerado.
Ele aponta que um dos dois principais desafios para o continente africano em 2025 é alcançar a estabilidade solucionando problemas internos e se distanciando do discurso de que são causados por influência externa.
"Claro que você tem uma influência externa, mas essa influência externa ela não teria respaldo se você não tem uma elite interna que está pronta a se subordinar às políticas internacionais", explica.
O segundo desafio, segundo ele, é resolver a dinâmica social, estancando, principalmente, o fluxo migratório de jovens que tem como base a ideia de que o sucesso está no exterior.
"Essa é uma ideia que o continente africano tem que combater não somente em 2025, mas isso tem que fazer parte de uma agenda positiva do continente africano. Mostrar que a gente tem exemplos extraordinários, a própria tecnologia de informação, quando você olha o que está se criando no continente africano, é extraordinário. Então os jovens podem ter sucesso em seus próprios países, eu não preciso ir migrar para ter sucesso", afirma o especialista.
Por Sputinik Brasil