OBITUÁRIO

Morre o fotógrafo Evandro Teixeira, autor de fotos históricas do país

Geral, Evandro Teixeira, Fotografia, fotojornalismo

Publicado em 04/11/2024 às 18:43

O fotógrafo Evandro Teixeira morreu nesta segunda-feira (4), no Rio de Janeiro, aos 88 anos de idade, mais de 70 deles dedicados ao fotojornalismo. Pelas suas lentes, foram registrados acontecimentos históricos do século XX no Brasil e no mundo. As imagens em preto e branco produzidas por Evandro viraram documentos, que ajudaram a acessar fragmentos do passado.

Evandro foi internado na Clínica São Vicente, Gávea, Zona Sul da cidade. Segundo a instituição, a morte ocorreu por falência múltipla de órgãos, em decorrência de complicações de uma pneumonia. Ele será velado na Câmara dos Vereadores nesta terça-feira (05), das 9h às 12h.

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O fotógrafo nasceu no município de Irajuba, na Bahia, em 1935. Iniciou a carreira jornalística em 1958 no jornal O Diário de Notícias, de Salvador. Depois, transferiu-se para o Diário da Noite, do grupo dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, no Rio de Janeiro.

Em 1963, foi contratado pelo Jornal do Brasil, onde alcançaria a maior projeção como fotojornalista. Foram quase 47 anos na empresa, de onde saiu em 2010, quando o JB deixou de circular na versão impressa e passou a ter apenas a edição digital. Ele também se tornou autor dos livros: Fotojornalismo (1983); Canudos 100 anos (1997); e 68 destinos: Passeata dos 100 mil (2008).

Exposição no IMS de São Paulo mostra as ditaduras chilena e brasileira sob o olhar aguçado do fotojornalista Evandro Teixeira -- Repressão policial na Candelária durante a missa de sétimo dia do estudante Edson Luís, assassinado durante
Repressão policial na Candelária durante a missa de sétimo dia do estudante Edson Luís, assassinado durante - Evandro Teixeira/Acervo IMS

Dificilmente alguém nunca se deparou com uma foto de Evandro ao pesquisar sobre acontecimentos marcantes da história. Ele registrou momentos como a Copa do Mundo de 1962, a repressão ao movimento estudantil até 1968, o golpe militar no Brasil e no Chile e o massacre de Jonestown, em 1978.

É dele a imagem da tomada do Forte de Copacabana, no dia 1º de abril de 1964, que mostra as silhuetas de soldados em meio a uma chuva torrencial. Símbolo dos anos difíceis que o país atravessaria sob governos autoritários. E a fotografia, ainda mais conhecida, de um estudante caindo no chão, enquanto dois policiais se preparam para atacá-lo, em meio às manifestações contra a ditadura no dia 21 de junho de 1968.

As obras de Evandro integram coleções de instituições como o Museu de Arte de São Paulo (Masp), o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ) e o Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro.

Exposição no IMS de São Paulo mostra as ditaduras chilena e brasileira sob o olhar aguçado do fotojornalista Evandro Teixeira -- Tomada do Forte de Copacabana durante golpe militar, Rio de Janeiro, RJ, 04/01/1964. Evandro Teixeira/Acervo IMS
Tomada do Forte de Copacabana durante golpe militar, Rio de Janeiro, RJ, 01/04/1964.   Evandro Teixeira/Acervo IMS

Cobertura internacional

No ano passado, o Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, exibiu uma mostra com 160 imagens do fotógrafo. O destaque foi a cobertura internacional do golpe militar no Chile, que completou 50 anos. Evandro conseguiu entrar na capital, Santiago, no dia 21 de setembro de 1973, dez dias depois do golpe liderado pelo general Augusto Pinochet, que cerrou o governo democrático do socialista Salvador Allende.

Mesmo com toda a vigilância, Evandro registrou imagens que atestavam violação de direitos humanos no país. No Estádio Nacional, driblou a vigilância dos soldados e fotografou o porão onde estudantes eram encarcerados com violência. A imagem foi revelada rapidamente em um laboratório improvisado no banheiro do hotel e transmitida para o Brasil por um aparelho de telefoto.

Em outro momento, conseguiu ser o primeiro a registrar a morte de Pablo Neruda. O fotógrafo entrou no hospital onde estava o corpo do poeta por uma porta lateral, sem ser notado pelas seguranças. Encontrou Neruda sendo velado em uma maca no corredor pela viúva Matilde Urrutia. Depois, com a permissão da família, acompanhou todos os passos do velório na residência do casal e o enterro no Cemitério Geral de Santiago.

Exposição no IMS de São Paulo mostra as ditaduras chilena e brasileira sob o olhar aguçado do fotojornalista Evandro Teixeira -- Enterro do poeta Pablo Neruda no Cemitério Geral de Santiago, Santiago, Chile, 25/09/1973. Evandro Teixeira/Acervo
Enterro do poeta Pablo Neruda no Cemitério Geral de Santiago, Santiago, Chile, 25/09/1973. Evandro Teixeira/Acervo - Evandro Teixeira/Acervo IMS

Mas foi um acontecimento, nessas coisas mais simples do que as anteriores, que levou Evandro a passar uma noite na prisão. E que atesta não apenas as qualidades técnicas do fotógrafo, mas o olhar apurado para as desigualdades sociais.

“Faltava carne de vaca para a população, que só comia galinha e porco. Eu estava andando pela cidade e passei em frente ao Ministério da Defesa. Vi um carro de açougueiro parado e um cidadão entra com um boi inteiro nas costas para o pessoal do quartel. Achei uma sacanagem e fiz a foto”, relatou Evandro à época.

Nota de pesar

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva divulgou hoje uma nota de pesar pela morte de Evandro Teixeira, a quem Lula considera referência no fotojornalismo do Brasil e do mundo.

“Evandro deixa um acervo de mais de 150 mil fotos, com imagens que fazem parte da história do Brasil. Cobriu possui presidentes, registrados a fome, a pobreza, esportes, personalidades e cultura do nosso país. Meus sentimentos aos familiares, amigos, colegas e admiradores de Evandro Teixeira”, disse Lula, lembrando os mais de 70 anos de carreira do fotógrafo e a emblemática foto da tomada do Forte de Copacabana, de 1964.