O novo livro de Marcos Alexandre Faber, A leitora de poesia, Editora Reformatório, 2021 (https://editorareformatorio.minhalojanouol.com.br/), é um canto poético à literatura. Sob a forma epistolar, cujas cartas se aliam para a construção de sentido literário, há uma busca para dizer que a literatura se completa na tradição e, ao mesmo, nos novos tempos – tecnológicos, cibernéticos –, também são amparos para os artistas na hora da criação. Na verdade, Faber vai ao passado para dizer sobre o presente, que, para a vida contemporânea, ou como já disse Marcel Prost, é viver aceleradamente em busca de um tempo perdido.
O romance se desenvolve na presença e leitura de cartas entre o poeta Afonso e a leitora Maria Isabel de Mello. Há extratextos epistolares presente nas Notas do Autor e em um leitor de nome Francisco. O poeta Afonso nutri-se das cartas para imprimir, juntamente com Isabel, uma ideia de que os poetas consagrados na tradição literária são seres vivos, petulantes e arbitrários na linguagem literária, por isso devem ser sempre visitados, mas também estão mortos porque os leitores contemporâneos parecem esquecê-los.
É esse jogo temporal de resgade e de consciência da crise literária no século XXI, que o Autor examina seu próprio tempo. Na verdade, o poeta Afonso é um Alter ego do Autor, que ao mesmo tempo em que cria o romance também se assemelha a ele. “Estou de partida. Fui aprovado num concurso público para uma Universidade no interior” ou “[…] Restou-me dar aulas no sertão”. Da mesma forma em que a clara declaração de amor à cidade do Recife e, ao mesmo tempo, a Porto, a Sintra, a Lisboa e outras cidades revela o apelo da narrativa aos espaços urbanos, onde estão os registros verossímeis das passagens dos escritores por lugares. “Para viver, bastam-me poucas coisas / um caderno em branco / um lugar no Café Silêncio / um quarto com alguma higiene / em um cidade qualquer / Durban, Lisboa, Recife…”.
A construção do saudosismo está ligado ao gênero epistolar no romance. Isso faz a obra atravessar um tempo percorrido que vai de 7 de dezembro de 1997 a dezembro de 2000, momento da última carta. Se notarmos com atenção, podemos dizer que o início na década de 90 nos remete ao início tecnológico dos computadores e da Internet, fechando o romance no século XXI, que representa a visão tecnológia ascendente e a morte da personagem.
Essa busca por esse tempo perdido se instaura no romace na presença do gênero epistolar, uma vez que essa forma acompanhou várias escolas literárias como, por exemplo, o Romantismo. Basta ver os romance de Camilo Castelo Branco, de Eça de Queirós ou de Machado de Assis, em que as cartas surgem inteiramente na narrativa e fazem um elo entre o enredo e a trama. Os séculos XX e também este início do XXI abusaram do gênero em dimensões diferente, pois as cartas, os registros, as memórias surgem como elementos definitivos da trama para misturar-se à ficção e à realidade, como faz, por exemplo, Miguel Puig, em O beijo da mulher aranha, de 1976, ou Chico Buarque, em O irmão alemão, de 2014. Aqui, Faber impõe ao romance sua própria crise ou, como bem sabemos, reconhece o caráter híbrido constituído à problemática dos gêneros literários. Na literatura alagoana, Arriete Vilela faz semelhante intervenção no romance Lãs ao vento, de 2005, em que o enredo se constrói em cartas entre a Editora e a narradora.
Marcos Alexandre Faber – pseudônimo de Marcos Alexandre de Morais Cunha – tem consciência disso e não busca um resgate do gênero, mas ele constrói na narrativa um sentido de que existimos mesmo é na literatura, porque o tempo é perene, a história se ampara na mudança, na transformação. Por isso, a carta é um elemento cabedal para os cronistas. Na forma romanesca de Faber, escrever cartas vai do saudosismo à consciência de que o mundo está em movimento, mesmo que na atualidade esse ato de escrita seja quase inexistente, levando em conta a carta tradicional. Aí, vem o apelo à literatura, à escrita, como se ela pudesse nos salvar. “Muitas vezes escrevi cartas para mim mesma. Selava, botava no correio e ficava esperando a hora de chegar para abrir”, diz a personagem.
As cartas no romance de Faber acabam provocando o sentido da escrita literária e o papel dos gêneros literários, que sugiram herméticos, mas ao longo do tempo tornou-se híbrido. E essa hibridez se mostra em A leitora de poesia, pois podemos ler as cartas como crônicas literárias, em que os comentários sobre a poesia se ligam a vida comum das personagens, parecendo surgir como opiniões da atualidade. Por isso, os textos podem ser isolados e, ao mesmo tempo, lidos como diálogos entre a dinâmica literária, a história dos acontecimentos e o contraponto entre eles, fazendo as opiniões ora compactuarem ora divergirem.
Afonso e Isabel Mello são persoangens ficcionais que pensam o passado, mas esse passado se mostra na alegria e no temor da presença da poesia em suas vidas. “Afonso, eu não sou nada, não sou poeta e não sou musa. Sou apenas uma leitura. Quem se lembrará de uma leitora? Você conhece alguma pessoa que ficou célebre por ler poesia? Eu não existo”; mas também na ausência da poesia. “Não é tempo de poetas e não posso mais iludir-te”, diz a personagem.
Ao final, tudo é invenção. Assim como a própria literatura dá ao escritor essa faculdade, pois as personagens neste romance feberiano também parece reconhecer a mesma situação. “Diga-me, por favor, que não é tudo invenção”. Assim, a ideia de criar, como acontece com a literatura, nos mostra o dilema do homem/escritor diante do mundo.
Então, convido o leitor, a leitora a ler o novo romance A leitora de poesia, de Marcos Alexandre Faber, pois é um convite à alegria de perceber a literatura em todos os cantos: nos nossos medos, angústias, alegrias e felicidades, ou com questiona a personagem: “Por que penso tanto na finitude e fragilidade da vida?”. Vocês, caros/as leitores/as, talvez só poderão encontrar a resposta ao ler o livro, aventurem-se!
Márcio Ferreira da Silva
Professor de Literatura, Crítico Literário e Escritor