Os Donos da Avenida
Em 1918, terminou a Primeira Guerra Mundial. Alagoas não foi à Guerra, mas um filho seu, valoroso guerreiro, o então prefeito de Maceió, Firmino Vasconcelos comemorou com três dias de festas a Paz Mundial. O povo dançou e bebeu na Praia do Aterro, no centro da cidade. Maceió é talvez a única capital que tem praia no centro, no início da Rua do Comércio.
Durante o discurso, emocionado e empolgado com as doses de cachaça, das boas, que distribuiu para o povo, o alcaide prometeu que ali, naquela praia do aterro, extensa areia branca, construiria uma urbanização e daria o nome de Avenida da Paz. Como o prefeito era cabra decente, diferente desses de hoje, que fazem mil promessas e depois esquecem, logo cumpriu a promessa.
Duas calçadas paralelas, uma junto à pista de calçamento, outra do lado da praia; jardins gramados com desenhos arabescos, bancos de concreto e postes de ferro trabalhado, beleza de arte da Fundição Alagoana. Quando anoitecia, o acendedor de lampião iluminava a bela Avenida.
Tempos depois, o médico e poeta Jorge de Lima, morador da Praça Sinimbú, vizinha à Avenida da Paz, inspirou-se naqueles momentos para construir um dos mais belos poemas da língua portuguesa:
O ACENDEDOR DE LAMPIÃO
- Lá vai o acendedor de lampião da rua!
- Este mesmo que vem infatigavelmente
- Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!
Em 1927, o prefeito de Maceió era o competente Amphilóphio Melo- como poeta, Jaime de Altavila- construiu o imponente e belo coreto e ampliou a urbanização da Avenida da Paz. Além de excelente administrador, Jaime de Altavila, morador da Avenida, era um dos grandes intelectuais de Alagoas. Entre tantos poemas, nos deixou esse legado:
SOBRE A AREIA DA PRAIA
- Minha terra possui sete léguas de Praia
- Que El’Rei doou por alvará
- Sete léguas de renda e de cambraia
Por sobre a faixa verde dos coqueirais...
Após a Revolução de 1930, devido à pressão, o prefeito Abdon Arroxelas mudou o nome da Avenida da Paz para Avenida Duque de Caxias, e por muito tempo ela assim foi denominada. Mas o povo, que é sábio, continuou chamando-a de Avenida da Paz. No final dos anos 80, o vereador, batalhador, Ênio Lins conseguiu aprovar projeto na Câmara de Vereadores, retornando o nome antigo, definitivamente, para Avenida da Paz.
Nos anos 1940-1950, a elite alagoana descobriu a beleza da Avenida da Paz, que passou a ser moradia de comerciantes, industriais, intelectuais, políticos, militares, comunistas, famílias tradicionais, aventureiros, usineiros; davam um tom eclético entre moradores. \muitos investidores, compraram e construíram mais de uma dezena de casas e bangalôs. Era o grande locatário.
Apesar de tantas figuras cheias de saberes e poderes, éramos nós, os moleques de praia, adolescentes seminus, queimados de sol e sal, os verdadeiros donos da Avenida.
Ao acordar, vestíamos o calção de banho, direto para o mergulho matinal naquele mar azul turquesa. Se havia aula, depois do café, pulava no estribo do primeiro bonde, viajava em pé até o casarão do Colégio Diocesano. Na parte da manhã, aprendia as lições dos Irmãos Maristas. À tarde não havia aula, retornávamos à praia ou ao Riacho Salgadinho, com água cristalina, pescávamos de tarrafa, tomava banho no riacho.
Moleques de praia, depois de jogarmos futebol na areia, nadávamos até perto dos navios fundeados esperando vagas para atracar. Gritávamos pedindo cigarro. Os passageiros jogavam os maços, agarrávamos com cuidado para não molhar. Ao voltar, fazíamos um roda no coreto, fumávamos os cigarros lançados pelos passageiros.
À noite, o calçadão da Avenida era uma festa: jogar ximbra, pião, garrafão, gata parida, bicicleta, patins. Éramos os donos da Avenida. Donos do Mundo.