Na última segunda-feira (13), a partir das 6h, cerca de 300 pessoas se reuniram em Bebedouro para reivindicar a realocação imediata de mais de dois mil moradores e empreendedores que seguem no bairro em situação de abandono após a desocupação de mais de 80% da região. O protesto durou aproximadamente nove horas, sendo encerrado após uma reunião entre lideranças do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) e da Associação dos Empreendedores no Pinheiro e Região Afetada e o coordenador-geral da Defesa Civil de Maceió (DCM), Abelardo Nobre. O órgão declarou que o acordo firmado entre MPs, DPs e Braskem, por ora, impede a realocação pleiteada, mas se comprometeu a ampliar os estudos sobre os riscos que corre a população isolada e convocar o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) para uma vistoria nas áreas ilhadas de Bebedouro.
“Nós só queremos viver felizes com nossa família num lugar digno, onde exista uma escola para colocar nossos filhos, um posto de saúde para ir ao médico e uma padaria para comprar o pão. Hoje, isso não existe em Bebedouro, porque a Braskem nos tirou”, declarou, em discurso, o professor José Balbino, que vive no bairro há quase seis décadas. Para ele, não há perspectiva de que a luta contra a mineradora termine, pois “não há colaboração do poder público nem da mídia”, mas encoraja: “essa vitória só depende de nós”. “Ninguém aqui pediu para sair de suas casas e de seus trabalhos, mas a Braskem destruiu o nosso bairro. Agora, estamos morrendo aos poucos, com a insalubridade, a falta de segurança e a perda das nossas referências.”
Reunião na Defesa Civil de Maceió
Por volta do meio-dia, as lideranças do MUVB foram recebidas na Defesa Civil para uma reunião com o coordenador-geral do órgão, Abelardo Nobre, a fim de apresentar as reivindicações de moradores e empreendedores que permanecem no bairro fantasma. Segundo Nobre, a DCM já realizou um estudo sobre o ilhamento socioeconômico na região e encaminhou ao Ministério Público Federal. “Nós já recomendamos ao MPF a realocação imediata de algumas dessas áreas e sua inclusão no Programa de Compensação Financeira”, disse. Porém, esclareceu que o acordo firmado entre MPs, DPs e a mineradora limita a atuação da Defesa Civil. “No acordo, está previsto que só podemos incluir, no mapa de riscos, áreas de afetação geológica, mas não socioeconômica.”
No entanto, Maurício Sarmento, que mora em Bebedouro há 43 anos, alegou que há, sim, indícios de risco geológico. “Em Flexal de Baixo, Flexal de Cima, nas quebradas e na Rua Marquês de Abrantes, muitas construções estão rachadas e a Lagoa Mundaú está constantemente avançando sobre elas”, informou. Outra demanda foi apontada por Leila Queiroz, moradora do bairro por 22 anos, que afirmou que a recomendação de realocação feita pela DCM ao MPF ainda é insuficiente. “Todos os moradores e empreendedores das quatro áreas remanescentes de Bebedouro precisam ser realocados, porque o bairro inteiro está morto.”
A Defesa Civil, então, assumiu dois compromissos centrais com o MUVB. Primeiro, o de refazer o estudo sobre riscos socioeconômicos, visando a contemplar os danos sofridos pela população remanescente — como as questões de ordem psíquica e demais problemas de saúde. Depois, o de solicitar a presença da CPRM no bairro de Bebedouro para avaliar os riscos geológicos que correm moradores e empreendedores da região. Dessa forma, ficou estabelecido que o órgão deve se pronunciar publicamente até a quarta-feira (15), comunicando os encaminhamentos da reunião. Outro encontro, entre a DCM e o MUVB, foi marcado para o dia 21 de setembro (terça-feira).
O polêmico acordo entre MPs, DPs e Braskem
O acordo mencionado por Abelardo Nobre foi assinado em dezembro de 2019 pelos ministérios públicos, as defensorias públicas e a Braskem, definindo o processo de indenizações por danos morais e materiais individuais. Desde então, uma polêmica em torno do documento foi levantada, pois os órgãos públicos envolvidos não convocaram a população atingida para discutir seus termos. Na reunião com o MUVB, o coordenador da Defesa Civil se referia à cláusula quarta do acordo, que determina que será incluído, na área de risco, o imóvel em que for identificado “risco estrutural grave decorrente dos impactos PBM”. Ainda, como “impactos PBM”, o documento considera danos como “fissuras, trincas e rachaduras em edificações” nas regiões afetadas pelos “eventos geológicos”.
Para Neirevane Nunes, que morou em Bebedouro por 40 anos e ainda mantém muitos vínculos no bairro, o acordo é “cruel” e “desumano”. “Quer dizer que essas pessoas vão ficar sofrendo pelo resto de suas vidas por conta desse acordo?”, questionou. Na opinião da professora, o que falta, para a realocação, é vontade política das autoridades. “Restringir a maior tragédia socioambiental em curso no mundo a um problema geológico é de uma falta de entendimento ou de uma má fé que não se concebe para instituições do porte dos ministérios e das defensorias”, afirmou. “A ajuda que esse acordo nos concedeu foi meramente aparente. Ele precisa ser revisto com urgência, pois ignora várias questões cruciais para as vítimas, mas a Força-Tarefa designada para este caso tem demonstrado uma enorme intransigência.”